quinta-feira, 12 de outubro de 2006

59) Dentistas nos Centros de Saúde

Várias vezes tenho referido que existe uma grande necessidade de se incluir a medicina dentária nas consultas dos Centros de Saúde. Também me parece óbvio que esse será um objectivo difícil de atingir, mas que é inevitável. Então agora, com as Unidades de Saúde Familiares, cuja filosofia de funcionamento tenderá a aumentar a competitividade e a oferta de serviços, o caminho será apenas de um sentido e acredito que não demorará muito a considerarmos normal a presença do Médico Dentista nos Centros de Saúde.
Entretanto continuamos com o problema de termos uma fatia considerável da população com carências e problemas importantes a nível da sua saúde oral. Na grande maioria, quem mais necessita serão as pessoas que não possuem condições económicas para recorrer a uma consulta privada. Estima-se que seja cerca de 50% da população que se encontra nesta situação. No outro extremo temos vindo a assistir a uma melhoria da saúde oral na parcela da população com melhores recursos económicos. Essa melhoria, que se reflecte directamente nos resultados gerais de saúde oral da população portuguesa, está relacionada com a intervenção que os médicos dentistas têm tido no âmbito preventivo e terapêutico das doenças da cavidade oral.
Como já referi, o exercício da Medicina Dentária em Portugal é eminentemente privado, existindo poucos Centros de Saúde que dispõem de apoio médico-dentário. Essa é uma das razões pela qual apenas os estratos sócio-económicos mais favorecidos poderão apresentar melhorias significativas na saúde oral. Graças a uma intervenção bem direccionada, motivando e sensibilizando pais e filhos individualmente no âmbito da sua consulta, o médico dentista tem vindo a desenvolver uma acção muito mais eficaz que qualquer dos programa públicos de prevenção das doenças da cavidade oral que tem vindo a ser implementado pelo Estado. Ou seja, a melhoria significativa dos índices gerais de saúde oral da população portuguesa, que têm vindo a ser apresentados, resulta da melhoria do estado da cavidade oral das crianças de famílias com melhor poder económico.
Já as crianças mais desfavorecidas têm estado à mercê de programas preventivos Estatais descontínuos, completamente desarticulados e mal concebidos. Penso que só não se verifica um agravamento do estado geral da saúde oral dessas crianças porque o uso de pastas dentífricas com flúor lhes confere alguma protecção. O que eu tenho vindo a defender ao longo destes anos sempre que abordo este assunto, é que existe uma necessidade premente de resolver o problema de saúde oral das crianças mais carenciadas. Isso não se consegue com uma observação esporádica e não continuada, como acontece no actual programa de saúde oral escolar.
Exige sim uma equipa de saúde oral com um programa sustentado de sensibilização e prevenção com ampla divulgação a par dum acompanhamento e envolvimento do médico dentista de forma a reforçar a prevenção, controlar as doenças e monitorizá-las. Se realmente os programas públicos de prevenção na saúde oral, que têm vindo a ser implementados nas duas últimas décadas, tivessem sido eficazes não teríamos um relatório da OCDE de 2006 tão desfavorável. Apesar desse relatório dizer que houve uma melhoria no estado geral da saúde oral dos portugueses, também refere que o nosso país foi o que apresentou piores resultados evolutivos dentro dos países que compõem a comunidade europeia.
Assim, numa fase de contenção de despesas, continua a ser contraproducente o dispêndio de verbas do Estado para programas que os observadores internacionais confirmam ter resultados insuficientes. Começa a ser por demais evidente que enquanto não houver nas estruturas governamentais da Saúde um departamento de Saúde Oral, comandado por elementos com competência na área, que definam estratégias claras relativamente a este problema, estaremos com o futuro da saúde oral dos portugueses comprometido.
À semelhança do que acontece com outras áreas do nosso país, desperdiçamos recursos sem atingirmos a produtividade desejada. Já começa a ser tempo do actual ministro da Saúde, Prof. Correia de Campos, tentar inverter esta tendência e actuar em conformidade.
PAULO MELO, Medico dentista e professor de Medicina Dentária

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