domingo, 4 de junho de 2017

698. Supermercados com consultas de medicina oral (2ª parte)

Médicos dentistas contra abertura de Dr. Wells
António de Sousa diz-se “envergonhado”

No seguimento da notícia da abertura de uma rede de clínicas de medicina dentária e medicinaestética pelo gigante Sonae, vários médicos dentistas demonstraram o seu desagrado nas redes sociais. O médico dentista António de Sousa foi um deles e disse estar “envergonhado” pois quando abraçou a profissão foi por amor à mesma e não “pela roupa Prada ou pelos carros topo de gama”. Eis a opinião do médico dentista:


Envergonhado 
Sr. Bastonário e colegas dirigentes da OMD,
Estando o senhor e grande parte da sua equipa como responsáveis da OMD há 16 anos são os colegas os únicos responsáveis pela vergonha que sinto hoje como médico dentista. Quando abracei a opção por esta profissão há 30 anos fi-lo pelo gosto à mesma; não foi a segunda ou terceira opção, foi mesmo a primeira.
Não o fiz pela roupa Prada ou pelos carros topo de gama, mas pelo gosto da arte dentária, pela independência como trabalhador que posso ter nessa profissão. Os carros, a roupa, as casas, as viagens são a consequência do empenho que possamos ter no nosso trabalho e esta profissão até determinada altura permitia ambicionar uma boa qualidade de vida.
Mesmo com o chavão do dentista é caro, era uma profissão respeitada pela população; o respeito por parte dos colegas de medicina é outra história. Este ano marca a muitos níveis o atingir do ponto mais baixo na medicina dentária. Não é o excesso de profissionais que justifica o estado lastimável a que a arte chegou. A única justificação que encontro está nos órgãos sociais da OMD. Tudo o que está a acontecer era previsível e o senhor e os seus pares nada fizeram para o evitar.
Quando a Autoridade da Concorrência acabou com a tabela de preços, os senhores nada fizeram para contornar o problema que daí surgiu. Em devido tempo deveriam ter sido criadas as guidelines para os diversos tratamentos dentários; essas guidelines associadas à tabela de nomenclatura permitiriam ter o manual de boas práticas médico-dentárias, com isso e com os custos imputados à realização de cada ato médico seria fácil instaurar processos por dumping aos agentes que notoriamente fizessem anúncio a práticas clínicas perto do grátis.
Por outro lado, o aparecimento de clínicas dentárias em espaços comerciais devia ter despertado nos senhores um olhar para o futuro e perceberem que esse iria ser o caminho previsível de alguns grupos económicos.
Evitar esta situação? Simples, caros senhores. Chama-se código de conduta. A existência de um código de conduta do médico dentista e da atividade da medicina dentária permitiria regulamentar a prática da atividade. Mais, se em devido tempo tivessem implementado a certificação positiva das clínicas dentárias, baseando-se nos códigos de conduta e na lei que regulamenta a atividade, podiam os colegas proprietários de clínicas solicitar essa certificação à OMD; este seria um processo complementar e voluntário a todas as certificações que necessitamos. Neste processo de certificação entrariam em consideração, entre outros, as condições que são dadas aos colegas que aí exercem.
A existência de clínicas certificadas ou recomendadas pela OMD faria diferença no mercado. É papel da Ordem que os senhores dirigem regular a atividade médico-dentária sendo o garante das boas práticas clínicas para a população que servimos.
Com um bom serviço, certamente que nós médicos dentistas também estaríamos bem, não é assim caros senhores?
São os senhores os responsáveis pelo que têm vindo a acontecer sistematicamente com clínicas ligadas a grupos económicos, que têm tido o fim que todos sabemos.
Não têm os senhores cumprido com o papel que o Estado delega na Ordem; regular e assegurar o serviço médico-dentário com qualidade à população.
Hoje é tarde. Qualquer medida que se venha a tomar não surtirá qualquer efeito.
É por isto que me envergonho de ser médico dentista numa ordem liderada pelos senhores. A anunciada abertura massiva de clínicas pelo maior agente económico do país envergonha-me senhor bastonário e caros colegas. Não gosto de me sentir comparado a um eletrodoméstico Worten ou a uma agência viagens.
Envergonha-me que colegas se aliem a este e outros grupos como diretores clínicos, fazendo baixar ainda mais o bom nome que a nossa profissão merece. Tivessem os senhores precavido estas situações, hoje esses grupos económicos teriam sérias dificuldades em contratar diretores clínicos e seria impossível obterem certificação por parte da OMD. Pode argumentar que poderiam abrir as clínicas, pois a lei geral assim o permite, mas não seria a mesma coisa.
Como um prezado e ilustre colega escreveu “somos todos irmãos”, mas não caros senhores, não sou irmão de quem deixou a profissão chegar onde chegou, nem sou irmão de diretores clínicos que em última análise também são responsáveis pelo que está a acontecer.
É o mercado a funcionar, podem os senhores argumentar, mas é um mercado sem qualquer regra por culpa inteiramente vossa. É este mercado que vai absorver o excedente de médicos dentistas, mas só absorve porque os senhores assim o têm permitido; sem ovos não se fazem omeletes, e por mais clínicas que possam abrir, se existisse regulamentação esses ovos seriam muito caros.
Por último, gostava de saber se os mais de 100 colegas que fazem parte dos órgãos sociais da OMD, muitos dos quais estão neste grupo, se se continuam a rever nesta política da OMD. Não têm também os colegas vergonha do estado a que chegámos?