segunda-feira, 27 de abril de 2015

652. Estudo divulgado duas vezes...

O dia mundial da saúde oral em Portugal foi este ano comemorado no nosso país com um estudo em que já se tinham sido apresentado as conclusões na comemoração do dia mundial da saúde oral em 2013. Só alguém distraído estaria a pensar que tivesse sido apresentado algum estudo novo, pois este III Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais foi feito há vários anos e não retrata a saúde oral das crianças e jovens actualmente em Portugal. 
Era bom que o Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos Dentistas tivessem especificado a data concreta em que foi realizado o estudo, uma vez que o mesmo estudo serviu para comemorar o dia mundial da saúde oral em Portugal em vários anos.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

651. Mais de metade das crianças com seis e 12 anos nunca tiveram cáries

Na saúde oral dos mais jovens, Portugal está no bom caminho, apesar de ainda haver muito trabalho a fazer. Os números são expressivos: se no início deste século apenas 33% das crianças com seis anos estavam livres de cáries, em 2013 mais de metade (54%) já se encontravam nesta situação. Uma evolução semelhante à observada nas crianças de 12 anos: nesse ano, 53% nunca tinham tido cárie dentária. À medida que a idade avança, a situação não é tão positiva – aos 18 anos, só um terço (32,4%) dos jovens nunca tinham tido lesões de cáries – mas este agravamento é expectável à medida que a idade avança.
São dados do “III Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais 6, 12 e 18 anos” a que o PÚBLICO teve acesso e que esta sexta-feira vai ser divulgado numa cerimónia para assinalar o Dia Mundial da Saúde Oral. Elaborado pela Direcção-Geral da Saúde em parceria com a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), o estudo permite perceber que, além de estar a diminuir o número de crianças e jovens com cáries, os hábitos básicos de higiene oral nas crianças e jovens estão a melhora: enquanto aos seis anos 79% das crianças diz escovar os dentes todos os dias, aos 12 são quase 90% os que garantem fazê-lo e, aos 18, a percentagem sobe para 96%.
“Todos os indicadores melhoraram. Passamos para uma situação em que o nível de cárie dentária já é muito razoável em relação à média europeia”, comenta Paulo Melo, um dos autores do estudo e secretário-geral da OMD. A evolução foi, de facto, significativa, a crer nos dados deste estudo: nas crianças de seis anos, entre 2000 e 2013 o número de cáries dentárias diminuiu 21%. Mas a redução das cáries não é a única boa notícia que emerge deste trabalho. Também é favorável a evolução da situação dos dentes tratados e da quantidade de dentes perdidos e esta melhoria é transversal a todas as regiões do país.
Ao longo do período referido, aos 12 anos a média de dentes cariados por pessoa baixou 50%, enquanto a média de dentes tratados aumentou cerca de 15%, o que significa que dois em cada três dentes cariados estão tratados, sublinha ainda a OMD. Os níveis de doença são medidos através de um índice médio por pessoa que contabiliza o número de dentes cariados, obturados e extraídos (perdidos), o indicador que é utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Destaque merece o facto de que os resultados deste índice aos 12 anos já terem ultrapassado as metas preconizadas pela OMS para 2020. "Além de haver menos pessoas com cárie, há menos indivíduos com lesões graves de cárie", sintetiza Paulo Melo.
A melhoria observada na dentição permanente nas crianças e jovens com menos de 18 anos justifica-se em grande parte devido ao Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral (os chamados cheques-dentista) que foi lançado em 2009 para estas faixas etárias. Este programa permite que as crianças, mesmo as mais carenciadas, acedam a consultas de medicina dentária onde, além do tratamento de eventuais lesões, colocam selantes de fissuras nos dentes para prevenirem o aparecimento da doença e ainda aprendem hábitos de higiene oral (escovar os dentes pelo menos duas vezes por dia) e de alimentação saudável.
Paulo Melo está optimista, porque acredita que a aposta na prevenção e no tratamento precoce se vai traduzir “em enormes ganhos no futuro”. "Seguramente que não vamos ter, daqui a 30 ou 40 anos, um número de idosos desdentados tão elevado como temos agora”, antecipa. De acordo com os resultados do barómetro apresentado em 2014, cerca de 7% dos portugueses não têm um único dente.
O secretário-geral da OMD lembra também que ainda há um caminho a percorrer para se atingirem as metas traçadas pela OMS para 2020, em especial na primeira infância, na dentição temporária (os chamados dentes de leite). “É preciso reduzir a percentagem das crianças que chegam aos seis anos sem cáries. Aqui, ainda há algum trabalho a fazer, mas tem que ser feito pelos pais e pelas famílias”, acentua.
As crianças e jovens são os principais utilizadores do programa cheque-dentista, que abrange também os idosos com o complemento solidário, as grávidas e os portadores de VIH. No ano passado, a taxa de utilização dos cheques-dentista subiu para 74%, tendo sido utilizados no total 406.689. Sessenta por cento foram usados em procedimentos preventivos, na aplicação de selantes de fissuras. No total, foram tratadas 4.334.877 de cáries contra apenas 207.239 extracções de dentes, refere a OMD. Desde o início deste programa, já foram utilizados 2.378.363 de cheques.
Alexandra Campos

quinta-feira, 2 de abril de 2015

650. Programa de Saúde Oral: Evolução, Instrumentos e Resultados

O programa de saúde oral no SNS iniciou-se com a promoção da saúde oral em meio escolar, sendo alargado posteriormente a medidas preventivas e curativas. As medidas preventivas foram introduzidas numa fase inicial com a entrada de higienistas orais para o SNS. Como estes profissionais eram insuficientes para as necessidades da população, a política adotada para colmatar este problema foi a contratualização com os serviços privados de medicina dentária. Incluindo-se assim para alem da aplicação de selantes de fissuras, também os tratamentos dentários. Em 2008 este modelo contratual foi revisto e implementado o cheque dentista.
Decorridos mais de 25 anos de programa, as crianças e jovens portugueses ainda apresentam problemas de saúde oral relevantes. Na amostra estudada verificou-se que aos 7 anos de idade, apenas cerca de 45,5% das crianças apresentam a dentição livre de cáries. A OMS preconizava que para 2010, 65% das crianças estivessem livres de cáries aos 6 anos de idade. De acordo com as orientações da OMS o índice de CPOD aos 12 anos não deveria ultrapassar 1,5, à data de 2010. Nos dados recolhidos no estudo este valor não é ultrapassado apenas nas crianças com 10 anos, mas aproxima-se (1,2), sendo que aos 13 se atinge um valor largamente superior (2,1).
Os dados do estudo revelam uma adesão de metade das crianças a um programa  totalmente gratuito e tal como foi demonstrado, aplicado a crianças que efetivamente tinham necessidades de saúde oral e não fizeram uso do cheque dentista (24,7%). No entanto praticamente todas as crianças que utilizam o cheque concluem o plano de tratamento. A exceção que se verifica aos 10 anos relacionada com a erupção dos pré-molares sugere uma revisão das coortes etárias de atribuição do cheque dentista.
O rastreio prévio das crianças como um procedimento a adotar em todas as situações, podendo este ser efetuados por higienistas orais contratados pelo SNS, significaria uma redução dos custos do programa e permitiria assegurar serviços de saúde oral acessíveis às crianças e aos jovens, que integrem estratégias universais, isto é, dirigidas a toda a população, seletivas, quando pretendemos intervir sobre grupos de risco e, indicadas, porque os que têm doença necessitam de cuidados orais regulares. A definição de crianças de risco ou grupos de risco como base para a definição das políticas de saúde é largamente defendida na literatura.
Considerando a evidência que os métodos atuais e sistemas de prestação de cuidados orais são relativamente ineficazes, caros. A missão da Administração de Saúde consiste em melhorar o funcionamento e aumentar a eficiência e a efetividade das instituições de saúde, promovendo os modelos de gestão que permitam uma maior autonomia administrativa e financeira e a correspondente responsabilização dos respetivos órgãos de gestão pela obtenção de resultados em termos de ganhos em saúde. Esta missão só poderá concretizar-se, através do desenvolvimento de instrumentos de influência e de critérios de acompanhamento e avaliação, que permitam apoiar a sua evolução (Ministério da Saúde, 1998).
Os serviços de saúde são parte integrante da estrutura política, económica e administrativa de qualquer sociedade. A simples importação de um modelo assistencial para uma sociedade, sem levar em conta as suas características pode ter efeitos negativos. O país que importa os referidos modelos pode não ter capacidade para suportar os custos. Exemplo desta prática é a aplicação de modelos de países desenvolvidos a países menos desenvolvidos, assentes em medidas curativas, baseadas em atendimento clínico por profissionais altamente especializados (Traebert, 1996).
As políticas deverão ser orientadas para estratégias de promoção e prevenção em saúde pública. A questão das doenças orais é simples e medidas de saúde pública baratas estão disponíveis para as prevenir e controlar pois as causas são conhecidas: dieta, deficiente controlo de placa, tabaco, stress e acidentes. O fator principal que torna o tratamento dentário tão caro é a limitação resultante da postura “restaurativa” dominante para tratar e prevenir a doença. Apesar da saúde oral ser o objetivo a atingir foi desviada pelo tratamento dentário, que é uma estratégia e não um objetivo. As estratégias de tratamento podem assegurar melhor cuidado para alguns e uma dependência dos profissionais, mas pouco é feito em termos de promoção da saúde e trabalho intersectorial. As abordagens com base clínica e capital intensivo para tratar doenças são irrealistas dados os altos custos e inadequada cobertura (Sheiham, 2005).
A Organização Mundial da Saúde aponta para 2020, metas para a saúde oral que exigem um reforço das ações de promoção da saúde e prevenção das doenças orais, e um maior envolvimento dos profissionais de saúde e de educação, dos serviços públicos e privados.
Ações futuras para melhorar a saúde oral e reduzir desigualdades requerem uma abordagem de saúde pública. A prevenção clínica e a educação para a saúde oral isoladamente tem um efeito mínimo e pode aumentar as desigualdades na sociedade. Um programa de saúde que procure as causas profundas de uma pobre saúde oral, através de uma implementação com um largo espectro de ações complementares é o melhor caminho para o sucesso.
Estimar a necessidade de cuidados de saúde oral é fundamental para a saúde pública. Até ao momento não se registam progressos nessa área. Existem grandes deficiências nas abordagens normativas das necessidades orais. Uma abordagem alternativa à convencional, a abordagem sociooral que leve em consideração o impacto que o estado oral tem na qualidade de vida, desejo das pessoas e comportamentos, a sua propensão para alterar comportamentos e importância, evidenciando que o tratamento recomendado é eficiente.
Os governos europeus estão a fazer reformas nos seus sistemas de saúde oral para fazer uma análise profunda. O grande desafio é a habilidade para controlar o que ocorre dentro do sistema. Problemas como a indução da procura e excesso de tratamento. O desenvolvimento de medidas apropriadas e apropriados mecanismos de incentivos são mais importantes na aquisição de equidade e sucesso do que aumentar o número de dentistas (Batchelor, 2005).
A análise económica do setor da saúde poderá dar um importante contributo na tomada de decisões neste setor da saúde. Apesar de alguma especificidade dos serviços de saúde oral, os mesmos conceitos e métodos aplicados à compreensão dos serviços médicos podem ser aplicados à análise dos serviços de saúde oral.
Teria sido importante perceber as razões que levam à não utilização do cheque, através da aplicação de um inquérito aos encarregados de educação. Este estudo pretende apenas ser um contributo e o “despertar” do interesse para futuras investigações na área das parcerias do serviço público com o serviço privado de medicina dentária em detrimento de outras políticas.
Estela Maria Malheiro de Castro

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