sexta-feira, 24 de junho de 2016

677. MIGUEL STANLEY: Há consultórios com 16 consultas diárias; os gestores conspurcam o conceito de medicina dentária.

A celebrar 20 anos de profissão e associado de várias organizações estrangeiras, Miguel Stanley deixa vários alertas e fala dos benefícios do serviço público.
O governo anunciou que pretende reforçar os centros de saúde com médicos dentistas. Este é um passo importante?
Existem vários tipos de medicina dentária: de urgência, de cuidados básicos e de reconstrução total. A introdução da medicina dentária no SNS é muito bom para os portugueses. Os tratamentos mais simples devem estar no SNS. Eu exijo que os meus impostos sejam aplicados para ajudar os portugueses que estão a sofrer com problemas básicos.
O que são os cuidados básicos?
A restauração, a desvitalização simples, o branqueamento dentário, próteses removíveis. Isso acredito que o SNS pode garantir sem grandes custos. Acima desta escala, caso das desvitalizações complexas, reconstrução de gengivas, implica equipamento e stocks de material mais caros.
Quanto custa montar o consultório de medicina dentária?
Para montar um consultório licenciado, com todas as regras, o custo por gabinete é tremendo. São precisas várias certificações e equipamento para os cuidados mais básicos e para os tratamentos mais complexos. Se tirar o valor da renda, decoração e os custos com os recursos humanos, montar um consultório pode chegar aos cem mil euros. Pode ficar mais barato sem raio-X panorâmico ou TAC, que considero fundamental para fazer implantes dentários. O médico dentista quase que é obrigado a trabalhar a vertente mais cara para poder ter uma clínica aberta. Existem mais de cinco mil clínicas, que têm de fazer face à concorrência e a um mercado cada vez mais agressivo.
Quais os efeitos da competição?
O negócio em Portugal é 100% privado, o que leva a que muitas vezes o único foco seja o lucro. Pode ser que haja sobrevenda do aspeto estético versus os cuidados básicos. Se existem tantos dentistas e sem apoio do Estado, isto pode acontecer. Se existirem cuidados básicos no SNS, e com isso regulamentação estatal, pode ser bom para o negócio pois as pessoas já não chegam reféns dos problemas básicos.
Mas existe regulamentação que os consultórios têm de cumprir.
Nos negócios de medicina dentária só se pode investir ou poupar em três coisas: materiais, médico dentista e tempo da consulta. Para muitos a única forma de sobreviver é poupar no médico dentista, no preço dos materiais - desde que estejam reconhecidos pelo Infarmed e dentro da validade é aceitável - e no tempo das consultas. Existem consultórios com 16 consultas por dia. Os gestores conspurcam o conceito de medicina dentária. A qualidade e a excelência vêm através do tempo. Acho fundamental a existência de medicina dentária no SNS e que o tempo médio de consulta seja de uma hora para que o SNS, que é pago com os nossos impostos, possa ensinar a qualidade do ato do médico às pessoas.
Quais os riscos de consultas com menos tempo? É um problema de falta de higiene?
Esta é a minha nova batalha. Quando as pessoas perguntam nas clínicas e consultórios qual o preço de determinado tratamento, devem também perguntar quanto tempo vão gastar com elas. A média nacional de tempo por consulta em Portugal é de 30 minutos. As pessoas fazem mais consultas e depois acabam por perder o dente. As seguradoras pagam por ato e o mesmo valor a todos. Não há incentivo à qualidade. Não é um problema de falta de higiene.
Como é que o SNS pode mudar isso?
Entendo que o SNS vai aumentar a fasquia da qualidade em relação ao tempo por consulta. As guidelines dizem que o tempo médio de desinfeção entre consultas deve ser entre oito e dez minutos. Não posso dizer que o fazem ou não, mas espero que o façam. Não tenho indicação de falhas, mas é um alerta.
Ana Maia