quinta-feira, 2 de abril de 2015

650. Programa de Saúde Oral: Evolução, Instrumentos e Resultados

O programa de saúde oral no SNS iniciou-se com a promoção da saúde oral em meio escolar, sendo alargado posteriormente a medidas preventivas e curativas. As medidas preventivas foram introduzidas numa fase inicial com a entrada de higienistas orais para o SNS. Como estes profissionais eram insuficientes para as necessidades da população, a política adotada para colmatar este problema foi a contratualização com os serviços privados de medicina dentária. Incluindo-se assim para alem da aplicação de selantes de fissuras, também os tratamentos dentários. Em 2008 este modelo contratual foi revisto e implementado o cheque dentista.
Decorridos mais de 25 anos de programa, as crianças e jovens portugueses ainda apresentam problemas de saúde oral relevantes. Na amostra estudada verificou-se que aos 7 anos de idade, apenas cerca de 45,5% das crianças apresentam a dentição livre de cáries. A OMS preconizava que para 2010, 65% das crianças estivessem livres de cáries aos 6 anos de idade. De acordo com as orientações da OMS o índice de CPOD aos 12 anos não deveria ultrapassar 1,5, à data de 2010. Nos dados recolhidos no estudo este valor não é ultrapassado apenas nas crianças com 10 anos, mas aproxima-se (1,2), sendo que aos 13 se atinge um valor largamente superior (2,1).
Os dados do estudo revelam uma adesão de metade das crianças a um programa  totalmente gratuito e tal como foi demonstrado, aplicado a crianças que efetivamente tinham necessidades de saúde oral e não fizeram uso do cheque dentista (24,7%). No entanto praticamente todas as crianças que utilizam o cheque concluem o plano de tratamento. A exceção que se verifica aos 10 anos relacionada com a erupção dos pré-molares sugere uma revisão das coortes etárias de atribuição do cheque dentista.
O rastreio prévio das crianças como um procedimento a adotar em todas as situações, podendo este ser efetuados por higienistas orais contratados pelo SNS, significaria uma redução dos custos do programa e permitiria assegurar serviços de saúde oral acessíveis às crianças e aos jovens, que integrem estratégias universais, isto é, dirigidas a toda a população, seletivas, quando pretendemos intervir sobre grupos de risco e, indicadas, porque os que têm doença necessitam de cuidados orais regulares. A definição de crianças de risco ou grupos de risco como base para a definição das políticas de saúde é largamente defendida na literatura.
Considerando a evidência que os métodos atuais e sistemas de prestação de cuidados orais são relativamente ineficazes, caros. A missão da Administração de Saúde consiste em melhorar o funcionamento e aumentar a eficiência e a efetividade das instituições de saúde, promovendo os modelos de gestão que permitam uma maior autonomia administrativa e financeira e a correspondente responsabilização dos respetivos órgãos de gestão pela obtenção de resultados em termos de ganhos em saúde. Esta missão só poderá concretizar-se, através do desenvolvimento de instrumentos de influência e de critérios de acompanhamento e avaliação, que permitam apoiar a sua evolução (Ministério da Saúde, 1998).
Os serviços de saúde são parte integrante da estrutura política, económica e administrativa de qualquer sociedade. A simples importação de um modelo assistencial para uma sociedade, sem levar em conta as suas características pode ter efeitos negativos. O país que importa os referidos modelos pode não ter capacidade para suportar os custos. Exemplo desta prática é a aplicação de modelos de países desenvolvidos a países menos desenvolvidos, assentes em medidas curativas, baseadas em atendimento clínico por profissionais altamente especializados (Traebert, 1996).
As políticas deverão ser orientadas para estratégias de promoção e prevenção em saúde pública. A questão das doenças orais é simples e medidas de saúde pública baratas estão disponíveis para as prevenir e controlar pois as causas são conhecidas: dieta, deficiente controlo de placa, tabaco, stress e acidentes. O fator principal que torna o tratamento dentário tão caro é a limitação resultante da postura “restaurativa” dominante para tratar e prevenir a doença. Apesar da saúde oral ser o objetivo a atingir foi desviada pelo tratamento dentário, que é uma estratégia e não um objetivo. As estratégias de tratamento podem assegurar melhor cuidado para alguns e uma dependência dos profissionais, mas pouco é feito em termos de promoção da saúde e trabalho intersectorial. As abordagens com base clínica e capital intensivo para tratar doenças são irrealistas dados os altos custos e inadequada cobertura (Sheiham, 2005).
A Organização Mundial da Saúde aponta para 2020, metas para a saúde oral que exigem um reforço das ações de promoção da saúde e prevenção das doenças orais, e um maior envolvimento dos profissionais de saúde e de educação, dos serviços públicos e privados.
Ações futuras para melhorar a saúde oral e reduzir desigualdades requerem uma abordagem de saúde pública. A prevenção clínica e a educação para a saúde oral isoladamente tem um efeito mínimo e pode aumentar as desigualdades na sociedade. Um programa de saúde que procure as causas profundas de uma pobre saúde oral, através de uma implementação com um largo espectro de ações complementares é o melhor caminho para o sucesso.
Estimar a necessidade de cuidados de saúde oral é fundamental para a saúde pública. Até ao momento não se registam progressos nessa área. Existem grandes deficiências nas abordagens normativas das necessidades orais. Uma abordagem alternativa à convencional, a abordagem sociooral que leve em consideração o impacto que o estado oral tem na qualidade de vida, desejo das pessoas e comportamentos, a sua propensão para alterar comportamentos e importância, evidenciando que o tratamento recomendado é eficiente.
Os governos europeus estão a fazer reformas nos seus sistemas de saúde oral para fazer uma análise profunda. O grande desafio é a habilidade para controlar o que ocorre dentro do sistema. Problemas como a indução da procura e excesso de tratamento. O desenvolvimento de medidas apropriadas e apropriados mecanismos de incentivos são mais importantes na aquisição de equidade e sucesso do que aumentar o número de dentistas (Batchelor, 2005).
A análise económica do setor da saúde poderá dar um importante contributo na tomada de decisões neste setor da saúde. Apesar de alguma especificidade dos serviços de saúde oral, os mesmos conceitos e métodos aplicados à compreensão dos serviços médicos podem ser aplicados à análise dos serviços de saúde oral.
Teria sido importante perceber as razões que levam à não utilização do cheque, através da aplicação de um inquérito aos encarregados de educação. Este estudo pretende apenas ser um contributo e o “despertar” do interesse para futuras investigações na área das parcerias do serviço público com o serviço privado de medicina dentária em detrimento de outras políticas.
Estela Maria Malheiro de Castro

NOTA: O autor do deste blogue publica excerto da tese tendo em conta o seu interesse para a sociedade civil. Qualquer ilícito acerca da reprodução deste texto deverá ser comunicado por email ao autor do blogue.

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