O Estado precisaria de 280
milhões de euros anuais para dar a todos os utentes acesso a cuidados de
medicina dentária em regime de convenção com consultórios privados, segundo um
estudo da Universidade Nova de Lisboa.
O estudo, a que a agência Lusa
teve acesso, apresentou vários cenários para aumentar o acesso dos portugueses
a cuidados de saúde oral e recomenda que se opte pelo aumento da cobertura
pública através de prestação privada, um regime convencionado como já acontece
noutras áreas (análises clínicas, por exemplo). A aplicação deste regime aponta
para um encargo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) de 280 milhões de euros por
ano, o que daria uma despesa de 28 euros por cada português.
O bastonário da Ordem dos Médicos
Dentistas, entidade que encomendou o estudo, refere que "a opção mais
razoável em termos de custos e de equipamentos já instalados" seria
"aproveitar os cerca de 10 mil médicos dentistas que estão distribuídos
por quase sete mil clínicas e consultórios". Em entrevista à agência Lusa,
Orlando Monteiro da Silva, explicou que o custo anual de 280 milhões de euros
permitiria incluir cerca de 90% dos cuidados de saúde para todos os utentes do
SNS. Ou seja, naqueles custos estão contemplados os cuidados e tratamentos mais
frequentes, como extrações, desvitalização ou limpezas.
O bastonário reconhece o peso
económico da medida, admitindo que não seja realizada de forma repentina, mas
sim numa perspetiva gradual, abrindo sucessivamente os cuidados de saúde oral à
população, começando, por exemplo, pelos mais desfavorecidos ou utentes com
patologias crónicas. "Há um caminho gradual que pode ser percorrido. E
deve ser feito, já se perdeu demasiado tempo, com outros custos: o custo de não
fazer nada é muito superior a isto, o custo de ter uma população a evitar
alimentos, o custo do absentismo ao trabalho, de crianças a faltarem à escola,
o custo social de andar desdentado", afirmou.
O estudo de Alexandre Lourenço e
Pedro Pita Barros, da Nova School of Busines & Economics, traçou ainda o
cenário de uma prestação de cuidados de saúde oral integralmente pública, equipando
centros de saúde e contratando médicos dentistas. Para cobrir as necessidades
do país, seria preciso contratar 6.500 médicos dentistas, o que representaria
um encargo anual de 182 milhões de euros, apenas destinados ao pagamento de
salários destes profissionais.
O estudo não realizou outras
contas para este cenário, mas a Ordem dos Médicos Dentistas estima que o valor
triplicaria se fossem contabilizados os gastos com ordenados de assistentes
dentárias, obras de adaptação, custos com equipamentos e manutenção, além dos
consumíveis usados nas consultas. "Quarenta anos depois, o panorama do SNS
mudou radicalmente, com quase sete mil consultórios e clínicas dentárias. O
estudo recomenda não duplicar e procurar que haja uma possibilidade de
aproveitar o investimento privado que está desaproveitado", sintetizou.
Para o bastonário, o caminho
futuro não tem de passar por uma solução integralmente pública ou totalmente
convencionada, podendo haver uma combinação de ambas. Uma dessas possibilidades
de solução mista poderia passar por ter um regime convencionado juntamente com
uma "pequena rede de centros de saúde com médicos dentistas" para
alguns grupos de doentes, como os oncológicos ou insuficientes renais ou outro
tipo de doentes crónicos.
O estudo avalia ainda o cenário
de aumentar a cobertura privada de cuidados de saúde oral através de seguros
com prestação privada, cabendo ao Estado negociar com o setor segurador. De
acordo com os autores, esta hipótese poderia "permitir uma redução do
risco financeiro das famílias" e rentabilizar a oferta privada existente,
mas "o enquadramento político e social é adverso ao recurso ao setor
segurador para assegurar funções do Estado".
O bastonário dos Dentistas vinca
que o país "já esperou" demasiado por um acesso universal de cuidados
de saúde oral, considerando que as decisões políticas devem ser ponderadas com
as bases científicas e técnicas e sem "preconceitos ideológicos" como
pano de fundo.