A licenciatura em Medicina Dentária existe em Portugal desde 1976. A sua duração
era de seis anos, tal como a licenciatura em Medicina. Os três primeiros anos
(ciclo básico) eram sobreponíveis aos três primeiros anos do curso de Medicina,
sendo os três últimos (ciclo clínico) referentes ao estudo da patologia da
cavidade oral e estruturas anexas. No entanto, nestes três últimos anos o doente
não deixava de ser visto como um todo, sendo uma parte do plano curricular
referente a manifestações sistémicas da patologia oral e vice-versa. Com este
perfil curricular, o médico-dentista seria então um médico que sofreu um
processo de diferenciação precoce dentro da medicina.
Os estatutos da Ordem dos
Médicos Dentistas referem que o médico-dentista é "responsável pelo estudo,
diagnóstico, prevenção e tratamento das doenças dos dentes, boca, maxilares e
estruturas anexas". Deste modo, a medicina dentária como profissão autónoma, a
exemplo do que acontece com qualquer outra especialidade médica, pode aplicar
terapêutica médico-cirúrgica, com autonomia de prescrição, direito de emissão de
atestados médicos e de certidões de óbito e outras.
O contributo da medicina
dentária para a saúde da população não se esgota no estrito campo da saúde oral,
nem tão pouco no exercício como profissão liberal. O médico-dentista deverá
atuar sempre como um importante agente de promoção integral da saúde. A
importância de uma boca bem tratada, que não seja foco de infeção e/ou
inflamação permitiria poupar anualmente milhões de euros no tratamento de
doenças como o cancro, a diabetes, doenças renais e doenças
cardiovasculares.
Deste modo assume importância
crucial envolver ativamente médicos dentistas e outros profissionais que atuam
no âmbito da saúde oral em equipas multidisciplinares e em atividades de
prevenção e tratamento de todas as doenças. Seria um contributo inestimável na
promoção da saúde das populações e no bem-estar dos doentes.
Com a evolução da ciência e
arte médico-dentária, um grande desafio se coloca, neste início do século XXI:
estar apto e qualificado para intervir em ambiente hospitalar e em qualquer
instituição do SNS (centros de saúde, unidades de saúde familiar e outras).
Aliás, podendo os médicos-dentistas atuar no domínio da clínica privada, com
intervenções por vezes de alto risco em doentes medicamente comprometidos, não
se compreende que nestes 40 anos a medicina dentária esteja praticamente
excluída do SNS. Dando como exemplo a área hospitalar, os referidos
profissionais poderiam atuar beneficiando do apoio de outras especialidades, em
equipas multidisciplinares, com benefícios inegáveis para o SNS e para os
doentes.
Parece que finalmente o poder
político olhou com atenção para a importância da saúde oral, havendo sinais de
uma vontade política de dar passos claros e inequívocos neste sentido. Se tal se
verificar, estaremos perante uma decisão política histórica, talvez das mais
importantes, logo a seguir à criação do SNS em 1979.
Bem-haja à Associação
Portuguesa de Medicina Dentária Hospitalar (APMDH) que, com o empenho dos seus
dirigentes, amigos e associados clamam nesse sentido há mais de uma década.
Aliás, o nascimento da APMDH veio institucionalizar uma luta dos seus fundadores
iniciada na década anterior. Bem-haja ao Núcleo Regional Norte da Liga
Portuguesa Contra o Cancro NRN - LPCC e aos seus dirigentes que, juntando
sinergias com a APMDH e respetivo corpo clínico de voluntários, já efetuaram
mais de 6500 consultas gratuitas de diagnóstico precoce de cancro oral. Bem-haja
ao atual Governo pela manifestação de vontade de colocar a saúde oral e os
médicos-dentistas no lugar que lhe compete no âmbito da saúde geral e no âmbito
das ciências médicas, respetivamente.
Para terminar uma palavra de
esperança: que a implementação seja efetuada de forma adequada após serem
ouvidas as instituições que têm provas dadas neste domínio...
João Leite Moreira -
Médico Dentista, Coordenador da Unidade de Estomatologia e Medicina Dentária
da Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte e Associação
Portuguesa de Medicina Dentária Hospitalar
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