domingo, 29 de abril de 2007

162) Portugal no último lugar

Os quase seis mil dentistas (estão inscritos 5.056 associados na Ordem dos Médicos Dentistas) existentes em Portugal seriam suficientes para que todos os portugueses recebessem os necessários cuidados em saúde oral. No entanto, não é o que acontece. E Portugal apresenta-se como o último dos países da União Europeia em cuidados de saúde a este nível, com cerca de, segundo números da ordem, 40 por cento da população a não receber os cuidados de que necessitam.
E perante esta realidade não resta aos especialistas portugueses senão lamentarem. E tentarem explicar. O esclarecimento – dizem – assenta na ausência de dentistas no Serviço Nacional de Saúde e nos fracos recursos económicos da maioria dos portugueses. Também a falta de informação está, muitas vezes, por trás das bocas mal tratadas dos portugueses, lembrou o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), bem como – reforçou – “a inexistência de mecanismos facilitadores do acesso à Medicina Dentária”. E neste campo inserem-se os mais idosos, os portadores de deficiências ou de doenças congénitas e do foro infeccioso, que necessitam de cuidados (ainda mais) especiais.
Por tudo isto e muito mais, nomeadamente, porque “não há saúde de uma forma geral sem saúde oral” é necessário que esta especialidade seja introduzida no Serviço Nacional de Saúde.
Quando nos referimos aos preços mais ou menos estáveis em todo o País e de consultório para consultório – a ordem garante que não há tabelas nem concertação de preços, até por proibição da Autoridade da Concorrência – como inibidores do acesso dos serviços a uma grande parte dos portugueses, Orlando Monteiro, bastonário, e Paulo Melo, médico dentista e professor na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, são unânimes. “Os preços apenas reflectem os elevados custos impostos pelas especificidades da consulta”. E o bastonário da OMD apontou o facto de as consultas desta especialidade serem pagas na totalidade pelo utente, para dar a real noção dos valores.
Pelo contrário – contrapôs –, “as outras especialidades são disponibilizadas pelo Estado, pagas pelos contribuintes através dos impostos, logo, o encargo surge de forma diluída e amenizada”.
Também o especialista Paulo Melo reconheceu que “as pessoas de menores recursos económicos não terão capacidade de ir a uma consulta privada”, mas dirigiu a justificação da impossibilidade de os preços nesta especialidade na direcção da que foi dada por Orlando Monteiro: os custos envolvidos numa consulta de medicina dentária são elevados e que dificilmente poderão baixar. “A solução passa por uma abertura ao acesso às consultas no âmbito do SNS à população mais carenciada”, reforçou o especialista, cujos números que avançou para quem não pode ser visto por um médico dentista se situa próximo dos 60 por cento.
O facto de não existir a especialidade nos quadros da Função Pública, para além de privar um grande número de portugueses de acederem “ao direito fundamental consagrado constitucionalmente, que é o direito à saúde”, levou à eliminação dos, já na altura, insuficientes serviços ao nível da saúde oral. E o especialista Paulo Melo deu a sua visão do que se passa. “Portugal deve ser dos poucos países europeus que não possui um departamento de saúde oral no Ministério da Saúde”, logo, “não existe nenhuma estratégia nacional a este nível”. E lembrou o processo para a retirada daqueles serviços nos centros de saúde.
O que existia nestas estruturas de saúde eram estomatologistas (pessoas com o curso de Medicina que faziam uma especialização em Estomatologia), mas a actual legislação europeia não contempla a formação deste grupo de profissionais, pelo que estarão em vias de extinção e deixaram de estar nos centros de saúde. “O que seria normal” era a substituição daqueles por médicos dentistas, mas como não existe a carreira destes especialistas na Função Pública, aquela situação aparentemente óbvia não se pôde concretizar, levando à cessação de saúde oral no sector público.
Paulo Melo, que fez a viagem pelo tempo para explicar o fim das consultas no serviço público, referiu-se ainda à actualidade. E esta revela que poucos são os centros de saúde que contam com médicos dentistas e quando tal acontece está-se perante contratações fora dos quadros da Função Pública.
Para além dos motivos anteriores para que os portugueses tenham «bocas feias», não se pode passar ao lado das notícias que de vez em quando dão conta da ilegalidade que ronda o sector. Geralmente, as ilegalidades assentam na inexistência de qualificações ou de qualificações inadequadas das pessoas que desempenham as funções de dentista. Os casos denunciados aguardam resposta dos tribunais, que são muitas vezes “deficientes”, até pela morosidade na resolução dos casos, apontou Orlando Monteiro. Não é fácil (como em qualquer outra área) para o comum utilizador perceber quem são os verdadeiros ou os que se fazem passar por tal.
Contra esta insegurança, o bastonário da OMD aconselha o doente a solicitar a carteira profissional a quem lhe está a prestar o tratamento. Ou em alternativa tentar saber junto da ordem se o médico dentista está inscrito e se tem as qualificações adequadas para exercer, ou não, o tratamento a que se propõe. Esta informação pode ser obtida através de telefone ou do sítio da Internet http://www.omd.pt/.
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A radiografia da situação está feita; falta apenas a vontade política para resolver a situação.
Gerofil

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