“Portugal deve ser dos poucos países europeus que não possui um departamento de saúde oral no Ministério da Saúde”. A constatação do médico dentista Paulo Melo revela-se, igualmente, uma contestação. E a consequência daquela afirmação é a inexistência de uma estratégia nacional para a saúde oral dos portugueses.
Os políticos nacionais – continuou o também professor na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto – “nunca se preocuparam com a saúde oral dos portugueses e nunca tiveram a preocupação de irem substituindo os estomatologistas que se iam reformando, por médicos dentistas nos centros de saúde”. Mais uma situação que tem consequências e estas “estão à vista de todos”.
Não seria necessário a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) dizer que Portugal se encontra na cauda da Europa a este nível, uma vez que “quem andar na rua pode aperceber-se da quantidade de pessoas sem dentes anteriores”. Esta é uma realidade inegável, correspondendo “a uma situação embaraçosa, que os políticos teimam em ignorar”.
Paulo Melo lamenta uma situação que – garante – “só não está pior por Portugal possuir dos melhores médicos dentistas da Europa”.
“Embaraçoso” é também o adjectivo usado pelo bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), que, classificando-se como “ingénuo”, está a depositar esperanças na Comissão de Saúde Oral que o actual Governo criou para avaliar a situação. Em finais de Maio deverão ser conhecidas conclusões.
Orlando Monteiro não escondeu que espera que “as conclusões sejam as óbvias…”. E o óbvio é o mau estado das bocas portuguesas e da necessidade de se proceder à criação de meios de acesso às consultas, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, à população mais carenciada. Este acesso público à saúde oral é uma luta antiga da OMD, a que o bastonário tem dado voz e no qual tem envidado esforços. Para já – apesar de céptico em relação às comissões de uma maneira geral – espera para ver. Mas não de braços cruzados.
E, aproveitando a reestruturação dos serviços de saúde, Orlando Monteiro tem tentado, nomeadamente junto das Unidades de Saúde Familiar, sensibilizar os responsáveis para a necessidade desta especialidade ser introduzida nos centros de saúde e nos hospitais. Este responsável aponta críticas, mas também apresenta propostas. Por exemplo, Orlando Monteiro não considera como melhor solução a abertura de consultórios dentários em todos os centros de saúde do País. Pelo elevado investimento que implica, defende a criação de convenções e protocolos entre aqueles estabelecimentos e os consultórios privados que existem na área geográfica em que se inserir o estabelecimento, “aproveitando que o investimento nas estruturas já foi feito pelo sector privado”.
Reconhecendo que o ministro da Saúde, Correia de Campos, tem demonstrado “sensibilidade nesta área e vontade de, pelo menos, estudar o que poderá ser feito”, o bastonário dos médicos dentistas espera que seja passada para a prática a boa vontade que tem sido demonstrada. E reforçou que se o Plano Nacional de Saúde for cumprido, então até 2010 os hospitais terão de estar equipados com esta especialidade, para responder às emergências e urgências que actualmente não podem ser tratadas. Em situações de acidente não há resposta nas urgências.
No caso de a urgência ser por dor – “uma das mais fortes que o corpo humano sente”, apontou – “na melhor das hipóteses é prescrito um analgésico”. O especialista é categórico ao pedir: “É preciso agir politicamente”. E sabendo que “é impossível que toda a gente tenha tudo, é essencial que se faça o possível para que todos tenham o melhor possível”.
E, apesar de estar aquém das necessidades da sociedade, a criação de um programa de prevenção e tratamento, destinado a crianças dos três aos 16 anos já foi encarado como positivo pelo bastonário: “Não obstante ser ainda inacessível à maioria das crianças”, mesmo dentro desta faixa etária.
Apesar de para a maioria das pessoas poder ser difícil de perceber ou até indiferente, o especialista Paulo Melo quis separar o trigo do joio e apontou as diferenças entre os vários tipos de profissionais que tratam a cavidade oral dos portugueses.
“São três”, disse. Os estomatologistas, formados em Medicina, especializaram-se em Estomatologia e o seu âmbito de acção apenas difere do médico dentista no acesso às áreas vizinhas da cavidade oral, onde o estomatologista pode actuar. Os médicos dentistas com um curso de seis anos (em breve diminuído para cinco segundo Bolonha), têm durante os primeiros anos conceitos gerais de Medicina e nos últimos tempos de formação seguem um caminho próprio. O seu âmbito de acção é vasto, mas compreende apenas as estruturas que dizem respeito à cavidade oral.
Existem também os odontologistas, que “durante muito tempo exerceram a actividade ilegalmente, muitos não tinham sequer a formação básica”, e que depois foram legalizados pelo Estado português após lhes terem sido ministradas algumas horas de formação profissional. O seu âmbito de acção é bastante restrito, estando impossibilitados de realizar cirurgias mais complexas, prótese fixa e ortodontia.
Para complicar tudo isto, asseverou o médico dentista e docente na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, “a terminologia adoptada em diferentes países difere da nossa, pelo que profissionais europeus com a mesmo denominação correspondem a formações e áreas de acção completamente diferentes”. Paulo Melo ainda lembrou uma quarta classe de profissionais que são os higienistas orais, mais vocacionados para a prevenção “e devem exercer a profissão superintendidos por um médico ou médico dentista”.
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