Há uns anos, como assessor parlamentar, quando o BE tinha apenas três deputados, passei algum tempo à volta de um projecto de Lei para que a medicina dentária fosse integrada no Serviço Nacional de Saúde. A lei previa uma implementação faseada. O ideal é que em vez de uma lei fosse uma política governativa. Mas as regras parlamentares deixam à oposição pouco espaço para lá do legislativo.
O projecto era bastante conservador, já que, com alguma injustiça, não incluía os médicos dentistas na carreira médica hospitalar para não se somarem a todas as resistência a previsível e feroz oposição da Ordem dos Médicos. Considerava que era a forma de abrir uma porta e que depois seria muito mais fácil conseguir ir mais longe. Era a lei possível para tentar passar e para, quando aplicada, ir vencendo resistências.
Foi muito pedagógico ver o resultado. O PCP não gostou por causa da questão da carreira. Os restantes partidos ainda menos e não se pode dizer que se tenham dado ao trabalho de elaborar grande argumentação. E percebe-se porquê. A comunicação social não estava na sala.
Havia uma qualquer trica na eleição de um qualquer vice-presidente de uma qualquer bancada e no lugar reservado aos jornalistas estava apenas um. Os outros andavam numa correria desatada pelos corredores por causa de um assunto que dois dias depois não tinha ficado na memória de nenhum deles. O que ali se debatia, pelo contrário, afectava milhões de pessoas. Mas era irrelevante perante uma pequena luta de galos numa bancada parlamentar. A maior parte dos jornalistas, apercebi-me em conversas posteriores, nem sequer tinha qualquer consciência da importância do tema, que considerou, à primeira vista, bastante esotérico.
A discussão do projecto foi despachada numa hora. Chumbadíssima porque seria incomportável garantir o mais elementar dos direitos de saúde.
A Ordem dos Médicos Dentistas, que inicialmente ajudou na elaboração de um projecto que era tecnicamente difícil, passou a estar contra quando o governo lhe acenou com a promessa de mais contratualizações público-privado. Agora, leio boqueaberto o mesmo bastonário que reuniu várias vezes comigo e que no último minuto virou as costas à entrada da medicina dentária no SNS a queixar-se que «enquanto não houver médicos dentistas nos centros de saúde ou sistemas de concessão, as pessoas estarão excluídas da saúde oral» (Público). Largou a primeira pela segunda (bem mais interessante para os médicos dentistas já instalados nos seus consultórios e sem levantar a malfadada questão do estatuto na carreira hospitalar), ficou sem nenhuma e agora repete o que o ouvi dizer então mas que não levou até ao fim. Esperemos que seja desta, mas desta já o estou a ouvir com um pé atrás. Porque naquela altura só os estudantes de medicina dentária se moveram e apareceram nesse dia nas bancadas, atónitos perante o desinteresse de deputados, comunicação social e seus futuros colegas. A Ordem estava a tentar assinar um negócio entre os consultórios dos seus membros e o Estado. Médicos dentistas nos centos de saúde? Fiquei seguro que não o queriam.
No fim da semana passada pude ler no Público o que já então se sabia e foi mesmo o principal argumento para o projecto: «cerca de metade da população portuguesa não tem capacidade para pagar uma consulta de medicina dentária». Uma grande parte dos portugueses pura e simplesmente passa uma vida sem ir ao dentista. Temos a pior saúde oral da Europa, ao contrário do que acontece em grande parte de outras áreas médicas. Os números são dignos do Terceiro Mundo. E a razão é apenas esta, como muito bem diz o João Rodrigues: não existe no Serviço Nacional de Saúde e, como seguramente não compreenderá João Miranda, os privados não garantem naturalmente o bem estar da maioria da população. Sobretudo em países pobres.
E não há medicina dentária no SNS porque a maioria dos deputados se recusa a representar quem os elegeu, os jornalistas de política vivem submersos na espuma dos dias e são absolutamente insensíveis à realidade social do país em que vivem e as corporações representam apenas os seus profissionais seniores. Como disse, foi muito pedagógica esta minha experiência.
O projecto era bastante conservador, já que, com alguma injustiça, não incluía os médicos dentistas na carreira médica hospitalar para não se somarem a todas as resistência a previsível e feroz oposição da Ordem dos Médicos. Considerava que era a forma de abrir uma porta e que depois seria muito mais fácil conseguir ir mais longe. Era a lei possível para tentar passar e para, quando aplicada, ir vencendo resistências.
Foi muito pedagógico ver o resultado. O PCP não gostou por causa da questão da carreira. Os restantes partidos ainda menos e não se pode dizer que se tenham dado ao trabalho de elaborar grande argumentação. E percebe-se porquê. A comunicação social não estava na sala.
Havia uma qualquer trica na eleição de um qualquer vice-presidente de uma qualquer bancada e no lugar reservado aos jornalistas estava apenas um. Os outros andavam numa correria desatada pelos corredores por causa de um assunto que dois dias depois não tinha ficado na memória de nenhum deles. O que ali se debatia, pelo contrário, afectava milhões de pessoas. Mas era irrelevante perante uma pequena luta de galos numa bancada parlamentar. A maior parte dos jornalistas, apercebi-me em conversas posteriores, nem sequer tinha qualquer consciência da importância do tema, que considerou, à primeira vista, bastante esotérico.
A discussão do projecto foi despachada numa hora. Chumbadíssima porque seria incomportável garantir o mais elementar dos direitos de saúde.
A Ordem dos Médicos Dentistas, que inicialmente ajudou na elaboração de um projecto que era tecnicamente difícil, passou a estar contra quando o governo lhe acenou com a promessa de mais contratualizações público-privado. Agora, leio boqueaberto o mesmo bastonário que reuniu várias vezes comigo e que no último minuto virou as costas à entrada da medicina dentária no SNS a queixar-se que «enquanto não houver médicos dentistas nos centros de saúde ou sistemas de concessão, as pessoas estarão excluídas da saúde oral» (Público). Largou a primeira pela segunda (bem mais interessante para os médicos dentistas já instalados nos seus consultórios e sem levantar a malfadada questão do estatuto na carreira hospitalar), ficou sem nenhuma e agora repete o que o ouvi dizer então mas que não levou até ao fim. Esperemos que seja desta, mas desta já o estou a ouvir com um pé atrás. Porque naquela altura só os estudantes de medicina dentária se moveram e apareceram nesse dia nas bancadas, atónitos perante o desinteresse de deputados, comunicação social e seus futuros colegas. A Ordem estava a tentar assinar um negócio entre os consultórios dos seus membros e o Estado. Médicos dentistas nos centos de saúde? Fiquei seguro que não o queriam.
No fim da semana passada pude ler no Público o que já então se sabia e foi mesmo o principal argumento para o projecto: «cerca de metade da população portuguesa não tem capacidade para pagar uma consulta de medicina dentária». Uma grande parte dos portugueses pura e simplesmente passa uma vida sem ir ao dentista. Temos a pior saúde oral da Europa, ao contrário do que acontece em grande parte de outras áreas médicas. Os números são dignos do Terceiro Mundo. E a razão é apenas esta, como muito bem diz o João Rodrigues: não existe no Serviço Nacional de Saúde e, como seguramente não compreenderá João Miranda, os privados não garantem naturalmente o bem estar da maioria da população. Sobretudo em países pobres.
E não há medicina dentária no SNS porque a maioria dos deputados se recusa a representar quem os elegeu, os jornalistas de política vivem submersos na espuma dos dias e são absolutamente insensíveis à realidade social do país em que vivem e as corporações representam apenas os seus profissionais seniores. Como disse, foi muito pedagógica esta minha experiência.
DANIEL OLIVEIRA, 24 de Setembro de 2007
Sem comentários:
Enviar um comentário