segunda-feira, 30 de março de 2009

339. Século XXI: O descalabro da saúde oral em Portugal

Pela sua pertinência trago para aqui dois comentários que foram enviados para o SAÚDE ORAL. O primeiro provem de uma médica dentista que trabalha com crianças e jovens num centro de saúde, chamando a atenção para o facto de ser colocada no desemprego pelo famoso cheque dentista que trata as crianças aquela hora daquele dia daquele mês daquele ano naquele sítio com aquele fulano, mesmo que para isso tenha agora OFICIALMENTE que esperar dois, três ou mais anos para ter idade para ser tratado a um abcesso ou a uma cárie (daria vontade de rir se não fosse verdade e não estivéssemos em Portugal, com um governo do Partido Socialista):
“Sou médica dentista e trabalho num centro de saúde a atender só crianças dos 3 aos 18 anos. Estou em risco de ficar desempregada devido à criação do famoso cheque dentista que não é mais do que atirar areia para os olhos do nosso povo... uma criança com 8 anos, por exemplo, terá de esperar até aos 10 para tratar um abcesso? Uma criança com 5 anos já com os primeiros molares terá de esperar até aos 7 para selantes?”
O segundo comentário é de quem também está no terreno e sabe o que vai acontecer à maioria das crianças e jovens com quem está a lidar: daqui a cinco, dez ou quinze anos (2015, 2020 ou em 2025) muitos deles terão perdido metade (escrevi bem, metade) dos dentes porque agora não têm qualquer hipótese de terem acesso a cuidados de saúde oral (falo claro, cuidados de saúde oral no sentido exacto do termo):
“Trabalho como psicóloga num agrupamento de escolas inserido num bairro social muito problemático. Tenho lá alunos que tenho a clara percepção que quando chegarem à idade adulta, não terão metade dos dentes, ou seja, a prevenção nestes jovens já era. Necessitam de inúmeros tratamentos, mas os adultos responsáveis por eles reclamam não conseguir pagar as consultas.
Digo adultos, pois muitos não têm pais, e muito menos alguém que desde cedo pudesse considerar a saúde oral como uma prioridade a par de outras. Com 2 ou 3 cheques dentistas, como vão estes alunos fazer os tratamentos que necessitam? Já para não falar da quantidade de jovens que já ultrapassaram os 13 anos...Não há nenhuma forma de apoio social a estas pessoas?”
Apesar de estarmos no Século XXI e Portugal pertencer à União Europeia, parece que o destino e o percurso destas crianças e jovens será pouco diferente de outros que agora chegaram à idade adulta (ver aqui).
Mas há mais … Sabe que, se tiver a infeliz necessidade de recorrer a uma urgência de odontologia em determinados hospitais centrais (digo bem, hospitais centrais), não existe sequer um médico especializado para o atender? Vá lá, imagine-se num fim-de-semana em Vila Real e acontece-lhe o azar de ter um acidente facial e necessite urgentemente de ser atendido por um odontologista ou médico dentista? Bem, o melhor é que isso nunca lhe venha a acontecer!
E sabem mais? O senhor Primeiro Ministro, a Senhora Ministra da Saúde, a Senhora Ministra da Educação, o Senhor Director-Geral da Saúde, os senhores Deputados à Assembleia da República, o Senhor Presidente da República e a Ordem dos Médicos Dentistas têm conhecimento destes factos. E o que fazem para os resolver? Todos sabemos que estes senhores lidam com dezenas de milhares de milhões de euros e que bastava tão pouco para que este problema não fosse um cancro dentro do nosso país; apenas a má fé própria de todos eles (vá lá o diabo saber porque agem assim) negam o acesso à saúde oral a largas centenas de milhares de crianças e jovens do país, com consequências devastadoras para o resto das suas vidas.

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