sábado, 1 de setembro de 2007

187) PROJECTO DE LEI N.º 154/IX

PROJECTO DE LEI N.º 154/IX
Discussão na Assembleia da Republica

22 de Fevereiro de 2006
* * *
O Sr. Presidente: — Vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 86/X - Consagra a integração da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde e a carreira dos médicos dentistas (BE) e 195/X — Inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que a situação de saúde oral da população portuguesa é preocupante. A OMS tem vindo a referir Portugal como um dos piores países no quadro da União Europeia em termos de acesso a cuidados de saúde e tratamento de saúde oral. Os sucessivos inquéritos e estatísticas têm mostrado números preocupantes.
Cerca de 60% dos cidadãos portugueses não têm acesso a cuidados nem a tratamento no âmbito da saúde oral por razões estritamente económicas. Ou seja, o seu orçamento familiar não lhes permite aceder a tratamento, mais de 70% dos hospitais públicos, em Portugal, não disponibilizam o acesso a médicos dentistas e o mesmo acontece com 90% dos centros de saúde. Aliás, num último inquérito feito pela Ordem dos Médicos Dentistas, ficámos a saber que apenas um centro de saúde, dos 340 existentes, é que disponibiliza aos seus utentes, da sua área de residência, uma urgência o âmbito da medicina dentária.
Portanto, esta é a situação que temos. Os técnicos que conhecem a situação e têm reflectido sobre estas matérias costumam dizer que a situação da população portuguesa é dramática – o termo é deles, penso mesmo que foi usado pelo próprio Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas – e o acesso ao tratamento no âmbito da saúde oral é geralmente definido como um luxo. Não são apenas os técnicos que o dizem, qualquer pessoa, na rua, poderá dizer o mesmo a um dos Srs. Deputados.Ora, esta situação de profunda desigualdade social no acesso a cuidados de saúde que são essenciais e esta situação de profunda carência da população portuguesa constituem o resultado da política que tem sido seguida em termos de saúde oral nos últimos 25 anos, no âmbito da estruturação do Serviço Nacional de Saúde. Podemos mesmo dizer que a desigualdade social e a profunda carência da população portuguesa são o resultado de uma política de contratualização com privados e com baixíssimas comparticipações por parte do Serviço Nacional de Saúde, o que mostra o exacto falhanço deste género de orientação política.
É verdade que, quando começou a construir-se o Serviço Nacional de Saúde em Portugal, em 1979, este era um processo de construção difícil, alargado, que pretendia melhorar os níveis de saúde da população em geral, e, portanto, havia falhas. Ora, foi nesse exacto sentido, de colmatar essas falhas, que se admitiu a ideia de uma contratualização com privados para permitir o acesso a alguns cuidados que os serviços de saúde pública não podiam prestar, num momento em que ainda se estava a estruturar o Serviço Nacional de Saúde.
Hoje, estamos perante uma estranha equação: continuamos com uma população manifestamente carenciada no que toca aos cuidados de tratamento e de prevenção no âmbito da saúde oral e, contudo, temos um número alargado e mais do que suficiente de médicos dentistas formados, aliás, com uma formação que pode ser entendida como de referência no quadro da União Europeia, visto que se trata de uma formação alongada, de 6 anos. Esta Câmara tem de decidir – o Partido Socialista, em particular – e fazer algumas escolhas centrais no que toca a esta situação.Em primeiro lugar, a Câmara – o Partido Socialista e os demais Srs. Deputados – tem de decidir se a saúde oral é ou não um elemento central da saúde global dos indivíduos e dos cidadãos portugueses e se é, portanto, uma prioridade do Governo do Partido Socialista. Em segundo lugar, se a resposta à primeira questão for positiva, se considerarem que, com certeza, este é um elemento central na saúde dos portugueses, então há que decidir qual é o caminho político a escolher: integrar a medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde ou continuar uma política que tem sido desastrosa em termos dos níveis e da qualidade de vida dos portugueses, uma política de contratualização com privados, que é dificilmente explicável, porque todas as especialidades que temos tendem a estar integradas no SNS (elas servem mesmo de referência para as práticas que se fazem no privado), além de que sempre entendemos que é o SNS que deve prestar os melhores cuidados de saúde à população portuguesa.Pergunto se o Governo do PS, pelo contrário, talvez interpretando de forma mais aberta as palavras do Sr. Ministro da Saúde proferidas na anterior sexta-feira, entende que todas as especialidades podem ser prestadas aos portugueses com contratualização de privados e, portanto, pura e simplesmente, pretende desarticular e desestruturar a construção que foi o Serviço Nacional de Saúde nos últimos 25 anos. A escolha do Bloco de Esquerda é muito clara: entendemos que devemos integrar no SNS os médicos dentistas, estruturar uma carreira, fazer essa discussão no âmbito desta Assembleia, criando, provavelmente, um grupo de trabalho que permita articular os Deputados das Comissões de Trabalho e de Saúde, chamando as pessoas que estão a trabalhar nesta matéria.Sabemos que a estruturação de uma carreira médica é sempre um processo complexo. Estamos dispostos a fazê-lo, é fundamental integrar nos quadros dos estabelecimentos públicos de saúde os médicos dentistas de modo a que, em três anos, possamos verdadeiramente responder às nossas responsabilidades, ou seja, garantir a todos os cidadãos o acesso a cuidados de saúde de base — não estamos a falar de tratamentos de cosmética mas, sim, de problemas de saúde basilares —, …
Vozes do BE: —
Exactamente!
A Oradora: — … e permitir políticas orientadas para os grupos mais carenciados: idosos, toxicodependentes e reclusos. É tão simples quanto isto! É isto que o Bloco de Esquerda propõe nesta Assembleia, porque só assim conseguiremos ter níveis decentes de saúde oral em Portugal e só assim teremos verdadeiramente uma política democrática de acesso à saúde.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente:
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marisa Costa.
A Sr.ª Marisa Costa (PS): —
Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, o Partido Socialista considera este debate sobre a saúde oral da maior importância. Por isso entendemos que esta questão deve enquadrar-se no processo já em curso de reorganização geral das equipas funcionais com intervenção na comunidade, como, aliás, consta do Documento do Grupo Técnico para a Reforma dos Cuidados Primários, de 15 de Julho de 2005, onde se prevê, entre outras medidas: «Incluir no processo de reconfiguração dos centros de saúde, desde o seu início, a organização de equipas funcionais multidisciplinares responsáveis por programas e projectos de intervenção na comunidade (por exemplo, cuidados continuados e paliativos, projectos com forte componente de apoio psíquico-social, saúde escolar, saúde oral, saúde ocupacional (…), entre outros». Colocamos, assim, à consideração de VV. Ex.as se acham conveniente, oportuno e adequado a criação de uma carreira de médicos dentistas no actual contexto de reorganização dos serviços de saúde.
Por outro lado, o Partido Socialista defende e tem sido defensor do Serviço Nacional de Saúde, pelo que o caminho aqui proposto pelo Bloco de Esquerda suscita algumas dúvidas para as quais gostávamos de obter respostas. Determinou e quantificou o Bloco de Esquerda os custos inerentes à implementação das propostas constantes do projecto de lei que hoje apresenta, designadamente, a integração da medicina dentária em todas as instituições do SNS, a criação da carreira de médico dentista e as comparticipações dos beneficiários do SNS de acordo com a tabela da ADSE?
Vozes do PS: —
Muito bem!
A Oradora: —
Em caso afirmativo, considera o Bloco de Esquerda que os custos inerentes à implementação destas propostas são comportáveis no orçamento existente para a área da saúde, ou em que áreas sugere o Bloco de Esquerda que se procedam a cortes para viabilizar as propostas que hoje apresenta?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: —
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): —
Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Marisa Costa, sobre a questão dos custos, deixe-me dar-lhe alguns números que, provavelmente, ajudam a esclarecer um pouco o debate.
A DECO fez um estudo e um inquérito alargado, perguntando aos portugueses quais eram os custos que, em geral, despendiam no acesso a cuidados de saúde oral, nos tais 98% de consultórios privados que existem em Portugal, e consultou essas clínicas privadas, tentando perceber exactamente quanto custa para uma família aceder a cuidados no âmbito da saúde oral. Deixe-me dizer-lhe alguns valores que, em média, são pagos nos consultórios dentários: um checkup custa entre 42 € e 55 €; uma obturação entre 51 € e 70 €; a extracção de um dente entre 44€ e 62 €; umadesvitalização custa 150 €; uma prótese ou uma dentadura entre 483 € e 717 €. São estes os custos para os portugueses.
A Sr.ª Deputada acaba de responder à pergunta que coloquei, ou seja, a Sr.ª Deputada não vê a saúde oral como um elemento central da saúde global do indivíduo e, portanto, não considera que seja uma prioridade. Pensa, portanto, que um investimento a longo prazo que possa dotar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) dos recursos humanos que temos, e bem formados, e de equipamentos que venham a ser adquiridos e que possam ser rentabilizados ao longo do tempo deve ser abandonado em favor de uma política decontratualização com privados ou, por exemplo, em favor de uma política em que, pura e simplesmente, nenhum tipo de cuidados de saúde oral é prestado aos portugueses? Devo depreender isso?
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
Responda a Sr.ª Deputada à pergunta!
A Oradora: —
A Sr.ª Deputada disse que este não é o momento para o que propomos, devendo ser feitos cortes noutros sectores. Deixe-me lembrar-lhe, contudo, que um responsável do Partido Socialista, para mais governante, disse que se hoje em dia a carreira de medicina dentária não está integrada no Serviço Nacional de Saúde se deve ao facto de «haver pressão financeira e de nunca se considerar a saúde oral uma grande prioridade». Disse ainda o mesmo governante, num tom descontraído, segundo a notícia, ter toda a disponibilidade para avançar com os serviços de saúde dentária nos principais hospitais centrais do País. Estas afirmações foram proferidas pelo Ministro Correia de Campos, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
Quando?
A Oradora: —
Em 28 de Novembro de 2005! Pedirei aos serviços que lhe entreguem uma fotocópia, Sr.ª Deputada. Como tal, ou o Ministro Correia de Campos diz que isto não é praticável com o que vai ocorrer no âmbito da política de saúde do Governo, ou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem uma posição divergente da do Governo. Uma outra possibilidade é que fique tudo na mesma, em «águas de bacalhau».O que é fundamental perceber é se os senhores encaram a saúde oral como uma prioridade ou não, ...
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
Já foi dito, Sr.ª Deputada!
A Oradora: —
… porque o Plano Nacional de Saúde entende-a como tal. Está lá escrito de uma forma consensual, dizendo-se o seguinte: «Serão abertos aos médicos dentistas os quadros dos Hospitais do Serviço Nacional de Saúde.» É este ponto, que consta da pág. 81 do Plano Nacional de Saúde, que continua por cumprir, e é apenas isto que o Bloco de Esquerda vem hoje propor a esta Assembleia.
O que é fundamental é que o Partido Socialista assuma as suas responsabilidades e diga aos portugueses que, se querem ter saúde oral, continuarão a pagar nas clínicas privadas os preços que enunciei, apesar de as universidades públicas portuguesas formarem médicos dentistas e apesar de o Serviço Nacional de Saúde incluir esta área da medicina nas suas competências.
É um facto que a saúde é cara, mas a apresentação de soluções é da nossa responsabilidade. Os portugueses contribuem para o Serviço Nacional de Saúde pagando os seus impostos, e pagam do seu bolso aquilo que é um direito seu!
Aplausos do BE.
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
E a resposta à pergunta, Sr.ª Deputada?
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao apresentar o projecto de lei em discussão, o CDS-PP teve em atenção três realidades dentro das quais delineou o que propõe. Em primeiro lugar, a preocupante situação da saúde oral em Portugal, que se encontra, como todos sabemos, entre as piores da União Europeia no que respeita ao acesso a este tipo de cuidados de saúde.Por outro lado, tivemos em atenção instrumentos tão importantes como as recomendações da Organização Mundial da Saúde e a Lei de Bases da Saúde, que determinam o dever do Estado na promoção e garantia do acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, nomeadamente os de saúde oral. Há sensivelmente um ano, em Janeiro de 2005, ainda no decurso do governo de coligação PSD/CDS-PP, foi aprovado e apresentado o Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral, que constituiu um passo significativo na abordagem desta questão, tornando-a uma prioridade e revelando a sensibilidade da tutela de então relativamente a esta grave falha.
Vozes do CDS-PP:Bem lembrado!
A Oradora:Por outro lado, tivemos em atenção um estudo levado a cabo pela Ordem dos Médicos Dentistas em Novembro de 2005 — muito recentemente, portanto —, que concluiu que 72% dos hospitais e 93% dos centros de saúde não prestam este serviço aos utentes. Esta ausência é dramática, desde logo pela falta dos cuidados de saúde prestados, sendo, por outro lado, geradora de uma grande injustiça social, por fazer com que as pessoas com menos recursos sejam impedidas de ter este tipo de cuidados.
Mas há mais, visto que se regista uma clara degradação face aos números de há quatro anos atrás. A explicação para esta regressão na prestação pelo SNS de cuidados de saúde oral leva-nos à segunda realidade na qual assenta o nosso projecto, ou seja, o esvaziamento de estomatologistas que se tem vindo a verificar no Serviço Nacional de Saúde. Na sequência do encerramento desta especialidade no curso de medicina, o número de estomatologistas tem vindo, natural e progressivamente, a decrescer nos hospitais e nos centros de saúde, pelo que desde logo lamentamos que a lei não tenha acautelado a sua substituição nos quadros dos serviços de saúde públicos. Na verdade, seis anos após a criação desta licenciatura, os médicos dentistas apenas podem exercer as suas funções como profissionais liberais, já que não existe legislação que os integre no SNS, nem existe um sistema convencional adequado, nos termos do qual prestem cuidados «para» o SNS. De resto, este problema foi detectado e incluído no Plano Nacional de Saúde actualmente em vigor e não alterado nem revogado pelo Governo socialista.A terceira realidade em que o nosso projecto assenta passa pelo facto de o CDS ser sensível à realidade conjuntural do País e à necessidade de racionalização e contenção da despesa pública, que, a par da reestruturação da Administração Pública, aconselham prudência e parcimónia na criação de novas carreiras autónomas.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP):Exactamente!
A Oradora:Foi, pois, atendendo à necessidade urgente de dotar o SNS de médicos dentistas mas também tendo em conta a conjuntura financeira do Estado, que o CDS-PP balizou esta proposta. Assim, o nosso projecto de lei visa a integração da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde através da inclusão dos médicos dentistas numa carreira já existente, que é a dos técnicos superiores de saúde. Do ponto de vista prático, esta via tem o mesmo valor e os mesmos efeitos que a criação de uma carreira autónoma, com a diferença de que a retribuição e as condições não serão diferenciadas em relação às outras profissões que integram já a carreira de técnico superior de saúde.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Oradora: — Na verdade, a carreira dos técnicos superiores de saúde, consagrada no Decreto-Lei n.º 414/91, de 22 de Outubro, foi criada tendo em conta a especificidade que envolve as profissões originariamente abrangidas, o que evidencia a diferenciação e qualificação profissionais dos seus ramos. Por outro lado, no caso concreto dos médicos dentistas, quer o elevado grau de especialização, quer as normas da União Europeia, não deixam margem para dúvidas quanto à especialidade deste ramo da saúde.Assim, procedemos a uma definição do conteúdo funcional de forma abrangente e adequada ao seu perfil profissional, que inclui a prática de actos médicos, como é evidente, e de actos técnicos. Parece-nos evidente a necessidade urgente de, em alternativa ao processo mais oneroso da criação de uma carreira própria, incluir a medicina dentária no âmbito da carreira dos técnicos superiores de saúde, cujo regime legal prevê expressamente a possibilidade de inclusão de outros ramos de actividade para além dos originalmente previstos.
Esta solução, como já disse, tem, por um lado, a virtude de assegurar aos utentes o atendimento e tratamento necessários a uma população com uma enorme incidência de pessoas total ou parcialmente desdentadas e, por outro lado, tem a virtude de permitir uma maior flexibilidade, quer à tutela, quer às administrações e direcções dos hospitais e centros de saúde, no preenchimento de lugares, em função da sua disponibilidade financeira, não representando, assim, qualquer ónus. Salientamos este último aspecto porque, sendo o CDS-PP um partido institucional e responsável, tem consciência dos constrangimentos conjunturais que o País enfrenta.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): —
Exactamente!
A Oradora: — Deixamos, em todo o caso, duas notas. Em primeiro lugar, para dizer que esta solução deverá ser transitória até que a conjuntura político-financeira de Portugal permita a criação de uma carreira própria e autónoma. Em segundo lugar, para salientar que a entrada dos médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde, enquanto técnicos superiores de saúde, não pode, para efeitos de organização dos serviços e distribuição de responsabilidades, gerar uma lógica de subalternização em relação a profissionais com carreiras autónomas já criadas.
Qualquer crispação decorrente de questões de hierarquização será profundamente negativa para o regular funcionamento dos referidos serviços e para a prestação dos cuidados de saúde oral. Importa, por tanto, zelar para que não existam sobreposições e para que sejam atendidas as diferenças funcionais óbvias, delimitando-se as áreas de intervenção dos médicos dentistas e dos estomatologistas ainda em funções, por um lado, e as áreas de intervenção dos cirurgiões maxilofaciais, por outro. As próteses, a patologia ATM, a endodontia, a periodontologia e o diagnóstico oncológico são, claramente, matérias da competência específica dos médicos dentistas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: —
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marisa Costa.
A Sr.ª Marisa Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, se bem percebi, através do projecto de lei que ora se discute, visa o Grupo Parlamentar do CDS-PP promover a integração da medicina dentária no âmbito do Serviço Nacional de Saúde através da inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde. Permitam-me, então, que leia um breve trecho da intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, aquando da discussão do projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda na anterior Legislatura, mais concretamente no dia 6 de Fevereiro de 2003, que visava a integração da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde através da inclusão da classificação dos médicos dentistas como técnicos superiores de saúde. Passo a ler:
«(…) todos nós gostaríamos de ter dermatologistas, pneumologistas ou oftalmologistas nos centros de saúde, transformando os centros de saúde em autênticas policlínicas com todas as especialidades ao serviço dos utentes, só que, infelizmente, a situação financeira do Serviço Nacional de Saúde não permite ao Governo a concretização desta realidade…!»
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Bem lembrado!
A Oradora: —
Mais à frente, continua a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, dizendo o seguinte: «Não nos parece (…) que a criação de mais uma carreira técnica superior seja a resposta adequada para esta problemática. Seria, provavelmente, a mais fácil e a mais populista, mas seria aquela que iria contribuir com mais um agravamento financeiro, um agravamento das despesas do Serviço Nacional de Saúde».
Vozes do PS: —
Bem lembrado!
A Oradora: —
A primeira coisa que importa perguntar, desde logo, ao Grupo Parlamentar do CDS-PP, é o que é que mudou, de há três anos para cá, além do agravamento das condições financeiras em que o vosso governo deixou este país.
Vozes do PS: —
Muito bem!
A Oradora: —
Por outro lado, não consideram VV. Ex.as incoerente e contraditório propor a introdução de um outro ramo na actual carreira dos técnicos superiores de saúde, engrossando, assim, o sistema de carreiras da Administração Pública, quando sempre defenderam e defendem o emagrecimento do Estado?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:
Para responder, em meio minuto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Serei sintética, Sr. Presidente. Sr.ª Deputada, agradeço a leitura que fez de uma intervenção anterior proferida por uma Deputada desta bancada. Mas, não perdendo tempo, convido-a a ler também a intervenção que o Partido Socialista produziu na altura.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!
Vozes do PS: — Nós lemos!
A Oradora: —
Respondendo muito directamente à sua pergunta, direi que o que mudou desde então foi a saída massiva de estomatologistas, deixando lugares por preencher nos hospitais e nos centros de saúde. Os dados estatísticos existem e a Sr.ª Deputada tem de os procurar, mas, se não os conseguir encontrar, tenho o maior gosto em lhos fazer chegar. De todo o modo, desde já lhe digo que estes dados confirmam que, como disse há pouco, 72% dos hospitais e 93% dos centros de saúde não proporcionam este tipo de cuidados de saúde, que, aparentemente, o Partido Socialista não considera fundamentais nem prioritários para o cidadão comum.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Ninguém disse isso!
A Oradora: —
VV. Ex.as consideram, com certeza, que quem pode pagar várias centenas de euros para aceder a esses cuidados, fá-lo, recorrendo ao sector privado, onde estes médicos dentistas funcionam como profissionais liberais, e que quem não tem rendimentos para tal, fica sem dentes, que é o que acontece a grande parte da população portuguesa!
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
Isso é demagogia. Nós temos prioridades!
A Oradora: —
Eu debrucei-me sobre os hipotéticos gastos massivos que a adopção do nosso projecto representaria, Sr.ª Deputada, mas V. Ex.ª estaria já a ler o seu pedido de esclarecimento e, como tal, não me ouviu! De qualquer modo, repito que o que nos motivou, ao contrário do que fez o Bloco de Esquerda, a não apresentar um projecto de lei a defender a criação de uma carreira autónoma foi exactamente a preocupação com a conjuntura financeira.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!
A Oradora: —
Como a Sr.ª Deputada saberá, há uma diferença entre criar uma carreira autónoma na função pública, com os respectivos escalões, e alargar o âmbito de aplicação de uma carreira já existente, que, neste caso, é a dos técnicos superiores de saúde.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): —
Esta discussão é diferente da discussão de há três anos!
A Oradora: — Aliás, os senhores sabem perfeitamente que a medida que propomos não pressupõe os encargos massivos de que a Sr.ª Deputada falou.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
E aumenta ou não o número de funcionários públicos?
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O serviço nacional de saúde inglês tem estado a recrutar médicos dentistas portugueses. Entretanto, por cá, o crescimento descontrolado de licenciados em medicina dentária pelas sete faculdades portuguesas provocará, imediata e inevitavelmente, desemprego e acelerará a emigração. Enquanto isso, Portugal permanece detentor dos piores índices de saúde oral da União Europeia. Tudo isto porque o Estado, em Portugal Continental, não contrata serviços de medicina dentária para os hospitais e centros de saúde. Assim, não se garante o direito à saúde nem se aproveitam os excelentes recursos humanos disponíveis.
Vozes do PSD: —
Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Consciente de que as doenças orais constituem, pela sua elevada prevalência, um dos principais problemas de saúde da população infantil e juvenil, o XVI Governo Constitucional, por despacho do Sr. Ministro da Saúde de 5 de Janeiro de 2005, aprovou o Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral, destinado aos profissionais e estruturas do Serviço Nacional de Saúde. Trata-se, ou tratava-se, do programa de saúde oral mais avançado que alguma vez se gizou neste país, desenvolvendo uma estratégia global de intervenção, visando a promoção da saúde e a prevenção das doenças orais ao longo da vida.
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Esse programa foi criado pelo PS!
O Orador: —
Tal como muitas outras coisas de qualidade que se estavam a fazer neste país, designadamente na saúde, também este programa foi negligenciado com a chegada do Partido Socialista ao poder, em Março de 2005.
Vozes do PSD:Muito bem!
O Orador:
Compete a esta Assembleia, no exercício da sua actividade fiscalizadora, pugnar para que o Governo actue neste domínio, dando cumprimento urgente ao programa da saúde oral antes delineado. Observemos, no entanto, as propostas em presença. O Bloco de Esquerda parte de um diagnóstico correcto, mas prescreve uma solução errada. Propõe-nos o Bloco de Esquerda que o Estado inverta a actual situação, mediante a absorção maciça dos médicos dentistas nos quadros do Serviço Nacional de Saúde. Ora, num momento em que o Serviço Nacional de Saúde se encontra no limiar da sua sustentabilidade e no momento histórico em que o Sr. Ministro da Saúde, quase em desespero de causa, já clama pelos copagamentos dos serviços, propor uma medida destas corresponde, na prática, a conformar-se com a perpetuação da inacção.
Mas o Bloco de Esquerda não se limita a exigir o impossível. Avança com outras propostas, essas, sim, de exequibilidade possível. Permitam-me que realce três exemplos. Em primeiro lugar, o que tem a ver com a revisão do regime da comparticipação do Estado no preço dos tratamentos de saúde oral, que é realizável! Outro está relacionado com a dedução fiscal dos custos destes tratamentos. E o último, finalmente, tem a ver com o fomento da participação dos municípios na tarefa nacional de promoção e prevenção da saúde oral.
Efectivamente, neste último caso, perante o incumprimento das administrações regionais de saúde, que não prosseguem com a contratualização dos serviços médico-dentários apesar de disporem de meios financeiros suficientes, alguns municípios portugueses tomaram a seu cargo a promoção da saúde oral nos seus concelhos. Foi o caso exemplar do município de Mangualde que, durante o ano de 2005, celebrou um protocolo com a Associação Portuguesa de Saúde Oral e a Faculdade de Medicina Dentária da Universidade Católica em Viseu, na sequência do qual todos os alunos do 1º ciclo do ensino básico do concelho de Mangualde foram observados, tendo o custo destas consultas sido suportado pela câmara municipal e não pela administração regional de saúde.
Este exemplo pode multiplicar-se, desde que o Ministério da Saúde faça cumprir as soluções que estão hoje já previstas. Do que não há dúvida, Sr.as e Srs. Deputados, é que o tempo de o Estado assumir as suas responsabilidades em matéria de saúde oral chegou. Os hospitais e centros de saúde devem promover de imediato a selecção dos parceiros médicos dentistas com quem têm de contratar, tanto na modalidade de contrato de prestação de serviços como na de parceria público-privada, ou mesmo abrindo o acesso dos médicos dentistas às unidades de saúde familiar, algo que me parece que lhes está, por enquanto, vedado.
A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD):
Muito bem!
O Orador:Dispõe, assim, o Estado de um leque muito variado de modelos contratuais ao seu dispor, sem que tenha de transformar os médicos dentistas em funcionários públicos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fátima Pimenta.
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS):
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: O Serviço Nacional de Saúde é parte integrante do património que construímos com a nossa democracia. Em 32 anos, assegurámos cuidados de saúde a milhões de cidadãos. O Serviço Nacional de Saúde cumpriu, assim, uma exigência imposta pelo povo português. Os indicadores de saúde, em Portugal, contribuem, hoje, de forma relevante, para que possamos comparar com orgulho a maioria dos índices normalmente usados na avaliação do estádio de desenvolvimento dos povos.
Todos concordarão, nesta Assembleia, que, neste domínio, nada temos a recear no confronto com alguns países ditos desenvolvidos, por exemplo, os EUA e a Inglaterra, onde, na saúde, existem amplas camadas de população sem qualquer
tipo de assistência médica.
Vozes do PS: Bem lembrado!
A Oradora: —
Discutimos, hoje, nesta Câmara, os projectos dos Grupos Parlamentares do Bloco de Esquerda e do CDS-PP. Os subscritores pretendem que dentro do Serviço Nacional de Saúde se incorpore uma nova classe profissional: a dos médicos dentistas. Não questionamos a nobreza dos seus objectivos. Todavia, por mais nobres que sejam, se não cuidarmos de analisar os seus efeitos, colocaremos em risco todo o Serviço Nacional de Saúde.
Todos consideramos que a prestação de cuidados em saúde oral deve ser parte integrante da saúde geral dos cidadãos.
Vozes do PS: —
Muito bem!
A Oradora: — No Serviço Nacional de Saúde, particularmente nos hospitais e nos centros de saúde, esta valência tem sido desenvolvida por médicos estomatologistas e higienistas orais, sendo certo — sabemo-lo — que não asseguram uma cobertura adequada face às necessidades da população. Mas, Sr. Presidente, Srs. e Sr.as Deputadas, a decisão em política de saúde tem de nortear-se forçosamente por princípios de obtenção de ganhos em saúde.
Os estudos comprovam que a maioria das doenças orais são evitáveis desde que as necessárias medidas básicas de prevenção sejam disponibilizadas. O PS assumiu e assume esta estratégia. Assim, o investimento no Programa Nacional de Saúde Oral, a Rede Nacional de Escolas Promotoras de Saúde e o programa de saúde oral na deficiência são disso bons exemplos. Dados da Direcção-Geral de Saúde indicam que, entre 1994 e 1998, se consolidou uma estratégia de prevenção das doenças orais com a integração dos higienistas orais nos centros de saúde.
Em 2000, realizou-se o primeiro estudo Nacional de Prevenção da Cárie Dentária e redefiniu-se a estratégia de intervenção em saúde oral. É num Governo socialista que se assume, pela primeira vez, o tratamento das crianças e adolescentes. Para a concretização de tal objectivo celebrámos, em 1999, através de um sistema de contratualização, um acordo entre a Direcção-Geral de Saúde e a Ordem dos Médicos Dentistas e, em 2000, consolidámos a contratualização para o tratamento das crianças, atribuindo para o efeito um valor de 1,150 milhões de euros para o efeito.
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
Muito bem!
A Oradora: —
Paralelamente ao programa de saúde oral, o Governo socialista apostou na educação para a saúde. Assim, a colaboração activa entre escolas e centros de saúde, com o objectivo de assumirem, de forma complementar, a promoção da saúde oral, deu origem, em 1994, à criação da Rede Nacional de Escolas Promotoras de Saúde. Em 2002, o Governo tinha cumprido o seu objectivo, conseguindo a adesão de 3400 escolas apoiadas por 370 centros de saúde.
As boas práticas desenvolvidas pelas escolas que pertenciam à rede levou a Organização Mundial de Saúde a considerá-las prioritárias nas suas estratégias para os próximos anos. A aposta dos governos socialistas na prevenção foi uma decisão acertada e a evidência científica comprovou-o. Senão, vejamos os dados do estudo sobre a prevalência da cárie dentária em crianças e jovens: de acordo com o dados do último estudo, de 2000, concluiu-se que houve uma redução significativa quando comparada com o início do programa em 1986, principalmente nos grupos etários entre os 6 e os 12 anos.
O grupo etário dos 12 anos apresentava um índice CPO (que marca o número de dentes cariados, perdidos e obturados) que estava nos padrões admitidos pela OMS. Portanto, não estávamos tão mal como isso porque a Organização Mundial de Saúde tem para este grupo etário um índice de 3% e nós tínhamos 2,9% em 2000. É preciso que sejam publicados os dados de 2005 para se verificar se este índice não cumpre os padrões da Organização Mundial de Saúde.
O Sr. José Junqueiro (PS): —
Bem lembrado!
A Oradora: —
No grupo etário dos 6 anos, 33% das crianças estavam livres de cárie, contra 10% em 1986. Estes resultados, comparados com os do início do programa, traduzem importantes ganhos em saúde que é preciso sublinhar. Conseguimos, assim, reduzir em 50% a prevalência da doença. Aqui está a prova da boa escolha que fizemos.
A Sr.ª Helena Terra (PS): —
Muito bem!
A Oradora: — Relativamente ao tratamento das crianças e jovens, iniciativa do Partido Socialista, entre 2000 e 2004 foram tratadas gratuitamente, ou seja, sem qualquer custo para a família, 143 700 crianças entre os 6 e os 16 anos de idade.
Em 2006, num claro sinal de aposta na estratégia iniciada em 2000, compromisso assumido no programa do governo socialista, foi atribuída uma verba de 4 milhões de euros. Portanto, Sr. Deputado Carlos Miranda, não desinvestimos, como disse há pouco, aumentámos a verba. Compare-a com a que o seu partido deu a este programa: aumentámos quase em dobro o plafond que tínhamos em 2004.
Portanto, importa referir que a contratualização tem tido uma adesão progressiva dos estomatologistas e dos médicos dentistas. Senão, vejamos os números: em 2000, tínhamos 400 estomatologistas e médicos dentistas e, em 2004. tínhamos 1136. O que quer dizer que este modelo tem dado os seus frutos. Assim, os cuidados médico-dentários não satisfeitos pelo Serviço Nacional de Saúde são realizados através de uma parceria responsável entre o público e o privado.
A prevenção é assumida pelos serviços de saúde e no presente — é bom lembrar — temos 115 profissionais de saúde oral nos quadros dos centros de saúde — portanto, fizemos muita coisa — e trabalham 115 higienistas orais nestes equipamentos, que são, na totalidade, 113. Portanto, é importante relembrar que não há aqui um oásis, mas também não há um vazio. É importante que tenhamos em atenção que a responsável pelos serviços de saúde oral da Direcção-Geral de Saúde afirma que mais importante do que ter médicos dentistas nos centros de saúde é ter higienistas orais. Verifica-se, assim, que decisões políticas e técnicas estão em consonância, e isso é que é importante.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS e o BE pretendem incluir no Serviço Nacional de Saúde os médicos dentistas. No caso do CDS até é curioso que um partido cuja matriz ideológica privilegia a iniciativa privada, logo, menos Estado, venha agora pedir que os médicos dentistas integrem a carreira superior de saúde. Portanto, Srs. Deputados, haverá com certeza razões que a razão sempre desconheceu…
Esta atitude, para além de curiosa, é demagógica.
O Sr. Presidente: —
Sr.ª Deputada, faça favor de concluir.
A Oradora: — Concluo já, Sr. Presidente. O que é imperioso é que se poupe recursos, que se combata o desperdício para se obter ganhos em eficiência, para se conseguir melhorar os níveis de acesso e qualidade dos cuidados prestados às populações. Só desta forma conseguiremos a viabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
O Partido Socialista cumprirá os seus compromissos eleitorais. Prosseguiremos nos próximos anos o esforço de investimento em saúde oral das crianças e jovens, por forma a assegurar a cobertura de 100% no prazo previsto, dando cumprimento às metas do Plano Nacional de Saúde. Os ganhos em saúde obtidos no Plano Nacional de Saúde Oral demonstram que esse é o caminho.
O que importa é que, apesar dos problemas que ainda subsistem na acessibilidade aos cuidados de saúde pelas populações, o relatório da Organização Mundial de Saúde de 2000, que compara os sistemas de saúde de 191 países, classificou Portugal num honroso 12.° lugar, o que nos devia fazer estar orgulhosos. Não subestimemos agora o que de bom construímos na nossa democracia. Saibamos nós dar-lhe sustentabilidade. O Partido Socialista orgulha-se de uma das maiores conquistas de Abril: o Sistema Nacional de Saúde.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: -
Srs. Deputados, não haverá tempo para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada que acabou de intervir, porque não há tempo para as respostas, mas os Srs. Deputados que ainda dispõem de tempo podem inscrever-se para segundas intervenções. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, reeditamos hoje um debate que fizemos em legislaturas anteriores sobre um tema muito importante, que é o da saúde oral, e que é o exemplo do incumprimento da Constituição em matéria de acesso aos cuidados de saúde. A Constituição diz que o Serviço Nacional de Saúde, instrumento para a realização do direito à saúde, deve ser universal e geral, isto é, deve abranger todos os cuidados de saúde considerados necessários para uma saúde completa e global. No nosso país, este «geral» foi sempre com dentes à parte, porque os cuidados de saúde oral nunca estiveram abrangidos pelos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde, e cada vez estão menos, com o desaparecimento progressivo dos estomatologistas e com a não inclusão da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde.
Já sabemos como é que o Governo interpreta a Constituição, tem uma interpretação sui generis. Onde se lê «tendencialmente gratuito», o Governo lê «tendencialmente pago», onde se lê «socialização dos custos com medicamentos» o Governo lê «transferência para os utentes de cada vez mais custos com medicamentos» e onde se lê «Serviço Nacional de Saúde geral» o Governo lê «Serviço Nacional de Saúde com cada vez menos respostas».
A questão parece ser apenas abstracta, mas tem aqui um afloramento concreto muito importante: precisamos de ter uma resposta, nos centros de saúde, nos hospitais, de dimensão muito superior à que temos hoje, que permita que as pessoas, os cidadãos, tenham acesso aos cuidados de saúde oral. Se isso é assim, então só se faz integrando no Serviço Nacional de Saúde, não em massa, como disse o PSD, números significativos de médicos dentistas, abrindo para tal uma carreira de médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde, para que, tal como noutras áreas, haja, nos serviços públicos, resposta para esta tão grande necessidade de cuidados de saúde.
Não vale a pena dizer que isto pode ser resolvido só com convencionados. Não é verdade! Neste momento, a carência é tal que certamente precisamos de recorrer aos convencionados. Mas uma coisa é recorrer aos convencionados abdicando de uma resposta pública, outra — essa, sim, correcta, e cumpridora da Constituição — é manter, perante as necessidades, o recurso à prestação convencionada, mas trabalhar para que haja mais resposta nos serviços públicos, e é isso que os governos não têm feito ao longo dos anos.
Também não vale a pena dizer, como disse a Deputada Fátima Pimenta (ou pareceu-me querer dizer), que isto se resolve apenas com a prevenção. A prevenção é muito importante, mas, depois, há tudo o resto. Porque se assim fosse, bastava fazermos prevenção em todas as especialidades no Serviço Nacional de Saúde, e o resto logo se via. Ora, não é assim; é preciso prevenção — e por isso valorizamos os passos muito importantes que foram dados nesse sentido —, mas também é preciso atacar o grave problema de saúde oral que temos na generalidade da população do nosso país, e isso este Governo não está a dar sinais de fazer.
Este debate apresenta-nos uma realidade muito interessante, e até curiosa, que é a de, nesta matéria, termos até o CDS, embora de uma forma mitigada, a defender a vinculação à função pública destes profissionais de saúde.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): —
Porque é justo!
O Orador: — Penso que isto é muito curioso. Mas mais curioso ainda do que esta súbita conversão do CDS aos benefícios da vinculação pública e das carreiras da Administração Pública é a resposta do Partido Socialista.
Percebemos já, durante este debate, por que é que o Partido Socialista não quer médicos dentistas nos serviços de saúde. Não quer que os serviços públicos sejam públicos, como temos vindo a ver pelas declarações e pelas medidas do Governo. O PS não quer os médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde público porque está a planear que, tal como a medicina dentária, outras especialidades também passem a ser cada vez mais privadas, e isto é que vai de encontro à sua política.
Este é um bom exemplo da desigualdade no acesso aos cuidados de saúde. Quem tem dinheiro pode ter acesso aos cuidados de saúde no nosso país, e com grande qualidade, porque temos bons profissionais e consultórios e clínicas bem equipadas. Mas quem não tem dinheiro não pode, e aí é que está o problema. É neste exemplo concreto que vemos como é indispensável, para que o direito à saúde seja para todos, que o Serviço Nacional de Saúde tenha resposta. E, neste caso, o Serviço Nacional de Saúde não tem resposta.
Qual é a consequência? Quem não tem dinheiro tem mais dificuldade em aceder a estes cuidados de saúde oral e, por isso, é que é tão importante a dignificação e o aumento da resposta do Serviço Nacional de Saúde. Assim, é preciso relembrar, tal como refere a Constituição, que para assegurar o direito à saúde o País tem um instrumento fundamental: o Serviço Nacional de Saúde geral, universal e tendencialmente gratuito. Assim ele se mantenha na Constituição, assim ele se mantenha também na prática governativa, o que não tem acontecido nos últimos tempos.
A verdade é que a integração destes profissionais no Serviço Nacional de Saúde custa dinheiro. Mas muito mais caro custa a falta de saúde oral que as populações do País têm, muito mais caro custa ter um País em que o direito à saúde não é para todos, porque, por não haver resposta pública, temos a discriminação a funcionar e temos um grave problema de saúde oral na generalidade da população do nosso país.
Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a situação da saúde oral dos portugueses é francamente grave. Como é conhecido, 60% da população portuguesa não tem possibilidades económicas para aceder à saúde oral. É sabido também que, em geral, não existe medicina dentária nos nossos hospitais e centros de saúde e só 10% dos doentes que perderam a sua dentição é que estão reabilitados com prótese dentária. Tudo isto conduz a que Portugal tenha dos piores níveis de saúde oral da União Europeia.
Por isso mesmo, o Partido Ecologista «Os Verdes» entende que é fundamental a integração da saúde oral, de uma forma completa e abrangente, no Serviço Nacional de Saúde para prevenir e para tratar, desde logo e antes de mais nada, enquanto cuidados de saúde primários, porque é fundamental que se comece por este campo. Não me refiro a correcções com mero significado estético, aos quais, a seu tempo, poderíamos chegar,
mas, sim, a cuidados de saúde primários, basilares, que deveriam estar garantidos à luz da nossa Constituição da República.
Muitas outras doenças poderiam ser despistadas e detectadas a tempo, pois, muitas vezes, os seus primeiros sintomas são reflexo da saúde oral do paciente. Uma dentição em mau estado é causa de múltiplos emas e mal-estar dos doentes, tais como alimentares e nutricionais, problemas sociais de integração e até do acesso a certas profissões em que a imagem é fundamental.
Para terminar, diremos que não há saúde geral sem haver saúde oral e, nesse sentido, é fundamental a integração de cuidados de saúde oral no Serviço Nacional de Saúde, não apenas do ponto de vista da prevenção, mas no do tratamento. Esta é, além do mais, uma questão fundamental de igualdade. Devido aos elevados custos de acesso aos cuidados de saúde oral fora do Serviço Nacional de Saúde, aos médicos privados, há uma questão de igualdade no acesso que só o Serviço Nacional de Saúde poderia garantir em condições. O Partido Socialista demonstrou, neste debate, que considera que este problema se resolve com o Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral.
Sem dúvida que a prevenção é muito importante, nomeadamente em relação às crianças e aos jovens, mas não responde à globalidade dos problemas, nem ao universo das pessoas necessitadas de cuidados de saúde oral, designadamente ao nível do diagnóstico, tratamento e reabilitação. O Partido Socialista argumentou com a falta de meios financeiros, com o défice na área da saúde e ainda com a insistência de que há outras especialidades que também não estão incluídas no Serviço Nacional de Saúde.
Mas, das duas uma: ou o PS aceita e defende, como disseram, que a conquista do Serviço Nacional de Saúde é uma conquista de Abril e da Constituição da República Portuguesa, e dá passos claros no sentido do alargamento do âmbito do Serviço Nacional de Saúde, e não ao contrário; ou, então, o PS entende que as questões financeiras de curta vista estão em primeiro lugar, e não dá passos claros. Porque, Sr.ª Deputada Fátima Pimenta, é preciso pensar que esta questão tem custos financeiros não
só a curto prazo, mas também a longo prazo.
Estamos convencidos de que o investimento, a longo prazo, na área dos cuidados primários de saúde e, de uma forma abrangente, no Serviço Nacional de Saúde para os cuidados de saúde oral pode trazer benefícios económicos para o Governo e também para o País. E é isto que os senhores não querem aceitar, o que é muito preocupante.
O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, durante este debate foram apresentados alguns argumentos que são particularmente preocupantes, sobretudo por parte do Partido Socialista. Houve até um momento em que a Sr.ª Deputada Fátima Pimenta, do PS, falou e em que poderíamos pensar que estava a brincar: quando apresentou a inclusão da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde como uma potencial «bomba atómica», que vai colocar fim àquilo que é uma experiência meritória de democratização de acesso aos cuidados de saúde, em Portugal, durante os últimos 25 anos,…
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Não foi isso que eu disse!
A Oradora: —
… considerando que a saúde oral vai dar cabo do Sistema. O problema é que este começa a ser um argumento recorrente por parte do Partido Socialista. Começa
a haver, sucessivamente, por parte dos responsáveis ministeriais e por parte dos Srs. Deputados da bancada do Partido Socialista, o seguinte discurso: «Isto está a chegar ao fim. Vamos ter de espartilhar isto. Vamos ter de contratualizar com privados, vamos ter de introduzir privatizações em numerosos serviços».
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): —
Temos de cuidar daquilo que conquistámos!
A Oradora: — Portanto, aquilo que nós conhecíamos e pretendíamos, e que a Sr.ª Deputada aqui disse ser uma conquista do regime democrático, está prestes a acabar!
Vozes do PS: —
Eh!…
A Oradora: — O Partido Socialista entende que a saúde oral é fundamental, que começou um conjunto de estudos, protocolos, iniciativas e programas exactamente porque acha que isso é fundamental, contudo a realidade teima em não satisfazer a vontade do Partido Socialista, porque 60% dos portugueses continuam a não ter acesso ao tratamento de cuidados dentários, um em cada cinco portugueses já perdeu mais de 10 dentes. Esta é a realidade!
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Por isso é que estamos em 12.º lugar na Organização Mundial de Saúde!
A Oradora:
Ou seja, aquilo que temos actualmente parece não estar a resultar. O nosso projecto de lei propõe exactamente a mesma filosofia da conquista do regime democrático, ou seja, o Estado fazer um investimento a longo prazo, que isso seja feito ao longo de três anos, por forma a integrar os recursos humanos existentes, e que seja adquirido equipamento, com vista a rentabilizar a longo prazo, na saúde dos portugueses, esse mesmo investimento.
O que a Sr.ª Deputada não explicou e não disse é quanto é que custa fazer contratos com as clínicas privadas que hoje temos com um tipo de tratamento e um acesso que sejam universais.
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS):
Mas posso explicar!
A Oradora:
Essas contas a senhora não faz! E aquilo que lhe posso dizer é que vai sair mais caro. Essa lógica de «espartilhar» o Serviço Nacional de Saúde e de fazer contratualizações privadas, isso sim, é que vai ser a «bomba atómica» no Serviço Nacional de Saúde…
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS):
Não vai!
A Oradora: —
… e naquilo que é uma conquista e uma democratização de acesso dos portugueses aos cuidados de saúde. E é uma pena que seja o Partido Socialista a fazê-lo.
Aplausos do BE.

A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Vai ver que não vai ser assim!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o debate dos projectos de lei n.os 86/X e 195/X, concluindo, assim, a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, quinta-feira, dia 23, às 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia, do qual constará a discussão da proposta de lei n.º 51/X e dos projectos de lei n.os 105/X, 208/X, 209/X e 106/X, a que se seguirá um período regimental de votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

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