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Para: Portugal - CONTRIBUTO PARA A SAÚDE ORAL EM PORTUGAL (Sugestões laicas em três tópicos para a um projecto nacional abrangendo a Medicina Dentária).
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I - A MEDICINA DENTÁRIA NO
SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE
Algum dia o bálsamo da ciência havia de chegar às chagas do povo sofredor Miguel Torga (11 de Abril de 1978). Quando Miguel Torga antecipava a vitória que viria a revelar-se o Serviço Nacional de Saúde, não imaginaria que parte da anatomia humana seria mutilada na planificação dos cuidados de saúde básicos em Portugal.
Apesar de em Novembro de 1974 estar previsto nos Subsídios para o lançamento das bases do Serviço Nacional de Saúde a prestação gratuita e universal de cuidados de saúde oral, 30 anos volvidos após a criação do Serviço Nacional de Saúde, a Medicina Dentária é uma lacuna indefinitivamente adiada no SNS.
Estando fundamentada a importância da Saúde Oral no equilíbrio geral do corpo humano e estando estabelecida a importância da Medicina Dentária na articulação com as diversas especialidades médicas, é incompreensível que a prestação dos cuidados de saúde oral seja ignorada no modelo do Serviço Nacional de Saúde português.
Considerando que o actual primeiro-ministro classifica o SNS como a grande conquista social da democracia moderna, estão criadas as condições para alcançar essa demanda que foi a criação de um sistema público de saúde. É fundamental sensibilizar o Estado para que a inclusão da Saúde Oral no SNS se cumpra como imperativo constitucional.
Apesar dos avanços e recuos sobre o conceito de um serviço público de saúde em Portugal é importante alertar que o próprio coordenador do estudo sobre a sustentabilidade do SNS – Jorge Simões – reconhece que o único serviço em que não existe universalidade no SNS é a Medicina Dentária. Aliás, este confessa que o valor desperdiçado em convenções deveria ser aplicado nos cuidados de Saúde Oral.
Em contraponto a esta apreciação temos a chocante constatação que a ministra da Saúde, Ana Jorge, confessa que não fez contas e não sabe quanto custaria colocar médicos dentistas em todos os centros de saúde. Mais constrangedora se torna esta situação quando o Ministério da Saúde afirma que é mais rápido fazer protocolos com os privados do que criar um serviço de saúde oral público. Este despreocupado desconhecimento é o testemunho que em trinta anos não foi elaborado um plano estrutural para integração da Medicina Dentária na Saúde em Portugal.
Conhecendo as bases argumentativas que levaram António Arnaut a criar o Serviço Nacional de Saúde é simples demonstrar que nenhuma alternativa (seja um sistema de co-pagamentos, seja um sistema de opting out ou ainda um sistema de parcerias público-privadas) permite reduzir os cargos do Estado nem por outro lado melhorar os cuidados de saúde prestados. Como o próprio Arnaut explica, este tipo de parcerias só interessam aos investidores porque lhes garante, previamente, um lucro compensador, sem qualquer risco.
Deste modo, o actual modelo cheque-dentista, é uma oportunidade perdida onde podemos constatar não só um esbanjamento do erário, como o incumprimento dos pilares fundamentais do Serviço Nacional de Saúde: a sua universalidade e gratuidade.
Não será por acaso que o relatório da Organização Mundial de Saúde de 2007 refere que the publicly funded oral health care system in Portugal is not comprehensive. Um programa que avilta a prevenção, que privilegia os tratamentos curativos, que desresponsabiliza a intervenção a nível escolar e que não garante uma protecção universal, global, multidisciplinar e planificada só poderá ser catalogada como… incompreensível!
Como António Arnaut defendia em 16 de Maio de 1979 (data do discurso de encerramento do debate parlamentar do Serviço Nacional de Saúde) um projecto de saúde pública deve prever a articulação com instituições particulares apenas em casos excepcionais. Somando a enormidade de euros gastos de forma (quase) inconsequente na iniciativa “cheque-dentista” e somando as verbas injectadas em subsistemas e convenções seria possível criar uma Medicina Dentária pública sem qualquer perturbação no Orçamento de Estado.
Um sistema de parceria público-privada só deveria ser considerado em zonas limítrofes/situações extremas em que não é viável a prestação de serviços médico-dentários ou quando a capacidade de resposta do Estado é insuficiente para garantir a integridade do paciente. Assim, como em tantas outras disciplinas médicas, o Serviço Nacional de Saúde e as instituições privadas de saúde devem existir sem colocar em causa a liberdade de escolha do paciente, a universalidade dos cuidados prestados ou até a sobrevivência de cada uma destas alternativas (como se tem constatado em todas especialidades médicas em 30 anos de Serviço Nacional de Saúde).
Tecidas estas considerações é incontornável considerar que o Serviço Nacional de Saúde ainda não atingiu o seu mote enquanto a Medicina Dentária não for considerada como sua parte integrante. Os médicos dentistas devem ser vistos como um investimento e não como um custo.
Deste modo é fundamental:
- Alterar as linhas de pensamento da Ordem dos Médicos Dentistas que considera que é mais fácil e barato articular os consultórios particulares do que criar um Serviço Nacional de Saúde com Medicina Dentária integrada (RTP1 – 16 de Junho de 2009);
- Elaborar de um plano nacional de intervenção ao nível da prevenção privilegiando a intervenção ao nível escolar;
- Integrar a Medicina Dentária em todos os centros de saúde, unidades de saúde familiar ou outras instituições públicas de saúde para que nestas estruturas possam ser prestados todos os tratamentos básicos (preventivos e curativos) de Saúde Oral;
- Incluir a Medicina Dentária nos serviços de urgência de todos os hospitais concelhios e distritais;
- Introduzir o outrora conceito de “periféricos” a todos os médicos dentistas recém-licenciados de forma a garantir uma cobertura geográfica global nos cuidados de saúde oral (em detrimento à esquecida mas explicita vontade do cessante secretário-geral em criar um estágio não remunerado).
- Inserir a Medicina Dentária em equipas multidisciplinares de hospitais centrais para que se possa dar resposta efectiva a todos casos clínicos complexos e diferenciados.
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II - CONSTRUIR UMA PROFISSÃO CREDÍVEL
FUNDADA EM BOAS PRÁTICAS
O leopardo quando morre deixa a sua pele. O homem quando morre deixa a sua reputação (Ditado Chinês). Entre o senso comum nem sempre existiu uma associação positiva entre a Medicina Dentária e as qualidades de seriedade, credibilidade e profissionalismo. São sobretudo razões culturais e históricas que levam à presente constatação: o amadorismo de quem cuidou durante anos a saúde oral das populações (representada literariamente desde Fernando Namora até Luís Sepúlveda), como a sintomatologia dolorosa que conviveu com a prática clínica diária, nunca contribuíram para construir a consideração que a Medicina Dentária merece.
No entanto, a classe dos médicos dentistas também tem a sua quota-parte de responsabilidade na falta de apreço social da sua profissão. Cabe ao próprio médico dentista lutar pela sua credibilização na estrutura global da prestação de cuidados de saúde. O respeito de um ofício deve começar pelos próprios que o exercem.
Assim são os médicos dentistas que devem criar o seu manual de boas práticas e exigir, através de estruturas criadas para esse efeito, que a ética e a deontologia sejam aplicadas na prática clínica quotidiana. Qualquer profissão organizada de forma cooperativa tem a obrigação de censurar a má prática clínica. Assim, para além de um código deontológico com alíneas de sentido lato, é fundamental criar linhas de conduta concretas e explícitas para os diversos profissionais.
Deste modo é imperativo criar um manual de boas práticas e a estruturação de equipas que, de forma idónea e independente, fiscalizem a actuação dos médicos dentistas. Dentro deste manual de boas práticas deverão constar, por exemplo, linhas de orientação na área da terapêutica já que, apesar do médico dentista possuir uma ampla faculdade de prescrição, deveria o mesmo limitar esse poder a determinada terapêutica não devendo receitar medicamentos que não estão no âmbito da sua prática clínica. Devem ainda os médicos dentistas, através de um consenso com outros grupos profissionais, determinar as áreas comuns e distintas de actuação entre médicos dentistas, médicos estomatologistas, médicos especialistas em cirurgia maxilo-facial e até higienistas.
É também essencial definir a legitimidade do médico dentista exercer funções para as quais não foi formado ou preparado, nomeadamente consultas de cessação tabágica ou tratamentos estéticos como a aplicação de toxina botulínica.
Também no sentido de estruturar uma imagem credível da sua profissão, os cânones definidos para uma boa prática clínica devem afastar-se das lógicas mercantilistas que têm sido expostas através de chocantes campanhas de publicidade e técnicas de marketing. É fundamental que os pacientes possam distinguir que um médico dentista é diferente de um dentífrico e que a lógica retalhista não seja aplicada à prestação de serviços de saúde.
Por fim, a credibilidade da profissão de médico dentista também passa pelo respeito que deve existir entre colegas de profissão. Através de legislação própria, os médicos dentistas devem decretar uma solidariedade que permita lutar contra o sub-emprego que se constata e aplicar uma lógica de dignidade laboral entre os que contratam e são contratados.
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III - EXCELÊNCIA NA CIÊNCIA, RIGOR NO
ENSINO, DEVER NA FORMAÇÃO
Instrução e capacidade humana são sinónimos (Francis Bacon). Apesar da sua obsessão pelos movimentos da boca e pela anatomia dos dentes, Francis Bacon nunca imaginaria ser citado para ilustrar a importância da educação na qualidade da Medicina Dentária. A excelência do médico dentista passa pela sua superioridade ao nível do ensino, ciência e da sua formação contínua.
Ao nível do ensino, a formação universitária depara-se com um grande problema: forma demasiados profissionais com competências excessivamente frágeis. Se se torna preocupante o excesso de profissionais, mais inquietante é a falta de preparação com que estes saem para o mercado de trabalho. Tirando proveito do Processo de Bolonha, as instituições universitárias aumentaram o número de vagas e criaram múltiplos tipos de pós-graduação para combater os problemas de financiamento que enfrentavam.
Assim, ao mesmo tempo que se rouba conhecimento ao “pré-grado”, assistimos a uma evolução decadente das competências conferidas aos médicos dentistas recém-licenciados. Tudo isto para legitimar a criação de cursos de especialização e para garantir empregos rendosos nas cúpulas da docência. Por mais contraditório que pareça ensina-se hoje menos aos discentes do que na época das primogénitas canteras.
Deste modo, urge a necessidade de interferir construtivamente ao nível do Ensino Superior. A história recente demonstra que uma auto-regulação é inconsequente e que a Ordem dos Médicos Dentistas deve pressionar estas instituições no sentido de adaptar os numerus clausus às necessidades do mercado de trabalho, estabelecer preceitos de excelência nos programas curriculares e incutir uma doutrina de rigor onde a endogamia e atemorização dos discentes se torne uma vaga memória do passado.
Por outro lado, para que um médico dentista atinja um nível de superioridade é fundamental que recicle os seus conhecimentos. Desta forma, é fundamental promover congressos e formações que, mais do que feiras de vaidades e marcas de materiais, se afirmem como eventos científicos de referência. Exige-se um congresso anual com uma menor dispersão de temas e que promova conhecimento em qualidade. Um menor número de salas centradas em assuntos de relevo são mudanças fundamentais para marcar a diferença deste evento. Para credibilizar este congresso será fundamental que os inevitáveis eventos comerciais associados se afastem da decadência de mini-sambódromos, simuladores de jogos de automóveis e situações decrépitas afins.
Este congresso, como outras formações que imperativamente devem ser promovidas pela Ordem dos Médicos Dentistas, deve fazer parte de um sistema de créditos de actualização obrigatórios.
À semelhança de outras ordens profissionais, a OMD deve obrigar a séria reciclagem dos profissionais de Medicina Dentária. Concomitantemente, o médico dentista deve ser apoiado na sua prática clínica quotidiana. A criação de um grupo de apoio à decisão clínica será uma ideia fundamental a concretizar a curto prazo de tempo de forma a auxiliar o médico dentista em situações clínicas mais complexas.
Também neste âmbito a criação de guidelines (que sejam mais do que traduções de documentos estrangeiros), é essencial para orientar e proteger os médicos dentistas no seu exercício profissional.
Para terminar esta tríade de obtenção da primazia na Medicina Dentária é fundamental fomentar a criação de conhecimento, estimular a investigação na Medicina Dentária e renegar o marasmo de pouca monta que observamos na criação de artigos de revisão.
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RECICLAR O ORGANIGRAMA, INOVAR A ABORDAGEM, SONHAR COM O FUTURO - Só o mais sábio dos homens e o mais estúpido dos homens nunca mudam (Confúcio).
A Medicina Dentária em Portugal necessita de uma abertura à sociedade em geral e simultaneamente de uma reestruturação das suas linhas mestras. É necessária uma nova liderança com maior sentido de Estado. A Ordem dos Médicos Dentistas deve pensar de forma mais global, defender os médicos dentistas e sobretudo, lutar pelo bem comum da população portuguesa.
É necessária uma ruptura com esta vontade de manter o status quo e alcançar muito mais do que se considera satisfatório. É altura de fomentar o prestígio da profissão e democratizar o acesso aos cuidados médico-dentários. Que a Medicina Dentária se faça segundo a arte.
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