“Sou médica dentista e trabalho num centro de saúde a atender só crianças dos 3 aos 18 anos. Estou em risco de ficar desempregada devido à criação do famoso cheque dentista que não é mais do que atirar areia para os olhos do nosso povo... uma criança com 8 anos, por exemplo, terá de esperar até aos 10 para tratar um abcesso? Uma criança com 5 anos já com os primeiros molares terá de esperar até aos 7 para selantes?”
O segundo comentário é de quem também está no terreno e sabe o que vai acontecer à maioria das crianças e jovens com quem está a lidar: daqui a cinco, dez ou quinze anos (2015, 2020 ou em 2025) muitos deles terão perdido metade (escrevi bem, metade) dos dentes porque agora não têm qualquer hipótese de terem acesso a cuidados de saúde oral (falo claro, cuidados de saúde oral no sentido exacto do termo):
“Trabalho como psicóloga num agrupamento de escolas inserido num bairro social muito problemático. Tenho lá alunos que tenho a clara percepção que quando chegarem à idade adulta, não terão metade dos dentes, ou seja, a prevenção nestes jovens já era. Necessitam de inúmeros tratamentos, mas os adultos responsáveis por eles reclamam não conseguir pagar as consultas.
E sabem mais? O senhor Primeiro Ministro, a Senhora Ministra da Saúde, a Senhora Ministra da Educação, o Senhor Director-Geral da Saúde, os senhores Deputados à Assembleia da República, o Senhor Presidente da República e a Ordem dos Médicos Dentistas têm conhecimento destes factos. E o que fazem para os resolver? Todos sabemos que estes senhores lidam com dezenas de milhares de milhões de euros e que bastava tão pouco para que este problema não fosse um cancro dentro do nosso país; apenas a má fé própria de todos eles (vá lá o diabo saber porque agem assim) negam o acesso à saúde oral a largas centenas de milhares de crianças e jovens do país, com consequências devastadoras para o resto das suas vidas.