Desde a década de 80, quando
terminei a minha licenciatura em Medicina Dentária, que ouço falar da
importância de termos médicos dentistas a prestar cuidados de saúde oral no
Serviço Nacional de Saúde (SNS). Nessa altura, todos os que terminavam o curso
de medicina dentária começavam de imediato a trabalhar. Todos! Os que eram muito
bons alunos, os “médios” e até os menos habilidosos. Todos conseguíamos ter
trabalho. E todos, ou quase todos, no exercício privado da profissão.
Mas essa abundância de trabalho
e a facilidade com que nos instalávamos no “mundo profissional” não impediu,
desde essa altura, que os primeiros dirigentes da Associação Profissional dos
Médicos Dentistas (APMD) se batessem para fazer ver ao poder político de então o
quão importante era a entrada de médicos dentistas no serviço público de saúde
para que, desse modo, pudessem, largas franjas da população, ter acesso aos
cuidados de saúde oral. Desde a primeira hora que os responsáveis máximos da
APMD, nesse tempo liderada pelo Prof. Doutor João Carvalho, tudo fizeram para se
conseguir esse objectivo. Note-se, pelo atrás referido, que não era por termos
alguma dificuldade em trabalhar, mas sim porque não podíamos ficar indiferentes
ao facto de uma percentagem grande da população, muito mais que hoje em dia, não
ter capacidade económica para aceder aos consultórios e às clínicas
privadas.
Uma questão de justiça,
consagrada na Constituição da República Portuguesa: “O direito á protecção da
saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e,
tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente
gratuito”. “Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua
condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de
reabilitação”.
Infelizmente, desde a sua
criação, a medicina dentária foi excluída do Serviço Nacional de Saúde. Foi,
portanto, com grande naturalidade que desde 1991, quando a APMD foi criada, este
assunto fez parte das preocupações, das “lutas” e das negociações havidas com a
tutela. Passaram mais de 25 anos. Não o foi por falta de empenho, ou falta de
vontade, dos médicos dentistas e dos seus dirigentes que, com excepção de alguns
casos dispersos no Continente e da realidade da Madeira e dos Açores, a saúde
oral se manteve de fora do serviço público.
Foi porque os políticos, as
pessoas com capacidade de decisão a esse nível, nunca quiseram dar o passo em
frente e sempre preferiram ir adiando a decisão, servindo-se de uma grande
variedade de desculpas para o fazer. Quero salientar, por ser verdade e por uma
questão de justiça, que todos os bastonários, secretários-gerais e dirigentes da
APMD e da OMD sempre defenderam e sempre se bateram para alterar este “estado
das coisas”. Só que a classe política, primeiro não nos ouvia e depois, quando
nos começou a ouvir, foi adiando a resolução do problema.
E assim se chegou a Janeiro de
2016 quando, em plena cerimónia de tomada de posse dos actuais órgãos sociais da
OMD, o senhor Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Prof. Doutor Fernando
Araújo, anunciou a intenção do seu Governo, de criar as condições para que a
medicina dentária “entrasse” no SNS. Para tal, propunha dialogar com a OMD, para
se chegar à tão desejada presença de médicos dentistas no SNS.
A solução proposta pelo
Governo, em Abril do ano passado, não veio ao encontro das “nossas pretensões”,
como é do conhecimento geral. Por esse motivo, decidiu unanimemente o Conselho
Directivo da OMD não assinar com o Governo o protocolo que definia as condições
do projecto-piloto de 2016 e que conduziu à entrada de 13 colegas, noutros
tantos centros de saúde, para a prestação de cuidados primários de saúde oral.
Mas, não tendo assinado o protocolo, entendeu também o Conselho Directivo da OMD
manter abertas as portas do diálogo, de modo a ser ouvido e a poder contribuir
para melhoraras condições dos cuidados prestados, caso o Governo decidisse, como
veio a acontecer, prolongar o referido projecto-piloto, findo o primeiro
ano.
Seria responsável outra
posição? Seria sério termos “amuado” e termos fechado esta porta que se acabava
de abrir? Mesmo que não se tenha aberto como todos queríamos? Efectivamente
algumas melhorias foram conseguidas do primeiro para este segundo modelo de
prestação de cuidados de saúde oral nos centros de saúde: os contratos a
estabelecer passam preferencialmente de um para dois anos, de 13 centros de
saúde podem passar para cerca de 50, a área geográfica deixa de ser apenas
Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo para abranger o Norte, o Centro e o Sul do país,
os vencimentos do médico dentista e do assistente dentário são melhorados,
etc.…
Todos temos a consciência que
as condições actuais não são, ainda, as desejáveis e que muito mais há para
fazer. Ninguém podia esperar que, depois de mais de 25 anos sem nada de muito
relevante ter acontecido, de imediato, num ou dois anos, se alcançassem todas as
condições por nós desejadas para o exercício profissional da medicina dentária
dentro do SNS.
A recente decisão do Governo de
formar um grupo de trabalho, que visa criar as condições para chegar à carreira
de medicina dentária no SNS, deve concentrar os nossos esforços para, de uma
forma séria e responsável, continuarmos a bater-nos por tão importante
desiderato. Lembro que do programa eleitoral com que a actual direcção da OMD se
apresentou a eleições, este ponto, referente ao serviço público no SNS, está
como uma das prioridades.
É realmente importante
assegurar que, mesmo para os mais desfavorecidos, para os mais pobres, possam
haver, dentro do SNS, consultas de medicina dentária onde se prestem cuidados
primários de saúde oral. Sabemos que este processo ainda vai demorar a dar
frutos. Não criemos falsas expectativas. Vamos querer ouvir todos os órgãos
sociais da OMD. Contamos com a colaboração de todos os médicos dentistas; vamos
querer ouvir toda a classe numa consulta pública sobre esta matéria.
Os médicos dentistas
portugueses são necessários, com uma carreira digna, no Serviço Nacional de
Saúde. A população portuguesa merece, e precisa, que isso aconteça.
Dr. Pedro Pires,
vice-presidente do Conselho Directivo da OMD
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