Entre projectos de sensibilização, acções de rastreio ou mesmo tratamentos, a
organização não-governamental (ONG) Mundo a Sorrir - Associação de Médicos
Dentistas Solidários Portugueses chegou a mais de 163 mil pessoas ao longo dos
seus nove anos de actividade – com intervenções em Portugal e em vários Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa, como Cabo Verde, Guiné-Bissau e São
Tomé. Só em Portugal, o presidente da ONG adianta que foram feitos quase 12 mil
rastreios e mais de 21 mil tratamentos, sobretudo a populações vulneráveis.
Miguel Pavão acredita que, de futuro, o trabalho passará cada vez mais pela
“aposta na prevenção em saúde”, numa área “muito carenciada” no país.
No mês em que a Mundo a Sorrir
completa nove anos de actividade, Miguel Pavão conta que o projecto, que nasceu
de uma experiência pessoal de voluntariado que este médico dentista teve em Cabo
Verde com a colega Mariana Dolores, acabou por caminhar para vários países e que
continua a lutar por garantir o “direito universal de acesso” a cuidados de
saúde oral, trabalhando junto dos grupos de maior risco, como idosos, crianças,
grávidas ou pessoas com poucos recursos financeiros. De 12 voluntários iniciais,
passaram para mais de 600, entre médicos, médicos dentistas, higienistas e
nutricionistas. “Continuam a existir poucos cuidados em termos de saúde oral no
país e pouca aposta na prevenção, mesmo em termos nutricionais. Temos um sistema
muito voltado não para o direito à saúde mas para o direito a tratar da doença.
Penso que é essa a grande viragem que temos de fazer, não tratar as doenças por
si só mas olhá-las de forma interligada”, descreve o dentista, que salienta o
trabalho feito neste sentido pelo Programa para a Inclusão e Vida Saudável da
Mundo a Sorrir. O projecto, que conta com fundos europeus, já chegou através de
acções de formação e de rastreios a 54 mil crianças e jovens e deverá terminar o
ano com 70 mil.
Desde que começaram a trabalhar
em 2005, só em Portugal já deram 2332 palestras de promoção de saúde e cuidados
de higiene e é precisamente na “educação não formal e na introdução de conceitos
de forma lúdica” que o especialista mais acredita. Para Miguel Pavão, a
cobertura do país em termos de saúde oral tem melhorado, sobretudo com os
chamados cheques-dentista, atribuídos a alguns grupos definidos como
prioritários pelo Plano Nacional de Promoção de Saúde Oral. O problema, diz, é
que a aposta tem estado pouco do lado da prevenção. “Só 3% dos orçamentos de
saúde na União Europeia é que são dedicados à promoção e prevenção em saúde”,
adianta, exemplificando que tratar um cancro oral, entre cirurgia, quimioterapia
e radioterapia, pode custar 100 mil euros, um valor que diz que daria para fazer
acções de formação nesta área em todo o país. A ONG não tem ligações directas ao
cheque-dentista, mas o médico dentista diz que têm tido uma “lógica de
concertação” e adaptado os programas para “ajudar a que políticas como esta
sejam melhor executadas” e sem que o trabalho dos voluntários “se sobreponha ao
que existe no Estado”. “Nem toda a gente sabe que tem direito aos cheques ou
como os utilizar e nos rastreios e acções ajudamos nesse sentido”,
ilustra.
As iniquidades no acesso a
cuidados de saúde oral continuam a ser um problema em Portugal, com a maior
parte dos tratamentos a realizarem-se fora do Serviço Nacional de Saúde. Aliás,
em Junho a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) publicou um estudo onde se
pronuncia sobre os cheques-dentista disponibilizados a alguns grupos de risco no
âmbito do Plano Nacional de Promoção de Saúde Oral. No documento, a ERS defende
que o programa deveria ser alargado a crianças e jovens de escolas privadas e
também aos idosos não beneficiários do complemento solidário e ainda às grávidas
que não são seguidas no Serviço Nacional de Saúde.
Por agora, só as crianças de 7,
10 e os jovens de 13 e de 16 anos que frequentam as escolas públicas têm direito
a receber estes cheques no valor de 35 euros cada. Até aos seis anos os cheques
só devem ser dados a casos graves. O estudo destaca, ainda, outros limites deste
plano, como os que se prendem com a definição de um número máximo de
cheques-dentista a atribuir a cada grupo. A ERS acrescenta, aliás, que a maioria
dos médicos dentistas considera que o número de cheques e o valor destes “não
são compatíveis com as necessidades dos beneficiários”.
Romana
Borja-Santos
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