Oficialmente, não há dentistas nos cuidados primários de
saúde. A carreira de médico dentista nem
sequer está prevista no SNS. Mas há milhares de portugueses que vão ao dentista
no centro de saúde e agradecem. São contratados como técnicos, assistentes,
administrativos ou com outros títulos profissionais. Uma situação que os coloca fora da
lei.
Apesar da clandestinidade, são
preciosos para muita gente. Atendem sobretudo doentes de risco, pessoas de menos
recursos ou simplesmente quem os médicos de família determinam. Atendem os que
podem, porque nalguns agrupamentos de centros de
saúde, chega a haver um dentista para 500 mil pessoas, ou mais. Às
vezes há critérios para definir quem deve ser atendido, outras vezes não. Serão poucas dezenas, os médicos dentistas nos centros de
saúde. Ao certo ninguém ainda conseguiu contá-los. A maioria dos
pedidos de informação feitos às Administrações Regionais de Saúde ficaram sem
resposta. As excepções são o Alentejo, que diz não
ter qualquer dentista nos centros de saúde, e o Algarve, refere que há apenas
um, no centro de saúde de Faro.
Os últimos dados disponíveis
mostram que há alguns dentistas nalguns centros de saúde, mas também mostram que
o número de consultas desta especialidade tem vindo sempre a diminuir. A região de Lisboa e Vale do Tejo, a Administração
Regional de Saúde afirma, por escrito, que o Programa de Saúde Oral, em vigor
nesta zona, inclui apenas os cheques-dentista. Os dados oficiais mostram, no
entanto, que há uma Unidade de Medicina Dentária que recebe utentes de vários
centros de saúde da capital. Trabalham aqui 7 dentistas e 1 estomatologista.
Não fomos autorizados a fazer
reportagem.
A Unidade faz parte dos Serviços Partilhados do
Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Central. Está aberta das 8 da manhã às
8 da noite. A sala de espera é um lugar tranquilo, confortável. Percebe-se que
muitos são utentes habituais. Todos chegam por indicação do seu médico de
família e aqui são seguidos pelo “seu” dentista. Há crianças, idosos, doentes
crónicos mas também quem simplesmente não pode pagar um dentista privado. Os profissionais desta unidade de saúde não foram
autorizados a prestar declarações.
Quem são e como trabalham –
José Frias Bulhosa optou por não ter consultório privado. Trabalha no Centro de
Saúde de Aveiro, e não só. “No meu Agrupamento
de Centros de Saúde sou o único dentista para 369 mil habitantes. Fui colocado
em Vagos há 3 anos, o equipamento não estava a funcionar. Para não estar parado
fui dar consultas a Aveiro. Vou quando os equipamentos estão livres,
quando os higienistas não estão a usar.” Entre cá e lá, não faltam casos
reveladores da falta que os dentistas fazem. “Ainda há meses identifiquei uma
mulher com um dente no céu da boa. O médico de família nunca tinha reparado. A
senhora, teria uns 35, 40 anos, não sabia o que era. Também me estou a lembrar
de uma de 4 anos com 20 dentes e que
precisava de intervenção em 18.”
Os utentes são encaminhados
pelo médico ou pelo enfermeiro de família. “Caso contrário seria humanamente
impossível. A excepção são os casos em que há suspeita de lesão maligna, esses
vejo sempre, a qualquer hora. Agora com o cheque-dentista para estas situações
já posso encaminhar estas pessoas para outro local.” José Frias Bulhosa também
atende as crianças da região que já esgotaram os cheques-dentista a que tinham
direito e as que frequentam escolas privadas, que não recebem estes
cheques.
Os casos mais difíceis, diz
José Frias Bulhosa, são os de “adultos com patologia, transplantados, com
problemas imunológicos. Estas pessoas raramente aparecem com uma cárie,
geralmente precisam de tratar 20 ou 30 dentes.” A
maioria dos dentistas que trabalham em centros de saúde sabem que o seu lugar
pode ser eliminado a qualquer momento. Não convém arranjar pretextos. Optámos,
por isso, por não identificar os médicos dentistas que se
seguem.
“António” é médico dentista,
trabalha num centro de saúde da região centro, mas não exerce, é técnico
superior da carreira geral. “Já trabalhei como dentista, mas era ilegalmente,
não posso, se acontecer alguma coisa…..
“Num centro de saúde da grande
Lisboa “Joana” fala dos riscos de trabalhar assim. “Sou técnica superior, já me disseram que não
posso anestesiar sem autorização do médico, a verdade é que tirando a nossa
consulta, não há nada nesta zona. Somos 3, mas já fomos apenas dois dentistas
para 400 mil habitantes e o nosso Hospital de referência, o Amadora-Sintra, não
tem a especialidade de estomatologia.” Esta consulta é para doentes de risco:
diabéticos, cirúrgia cardíaca, transplantados, doentes oncológicos. “Mesmo
assim, os médicos de família também nos
enviam
abcessos.” Para muita gente, estes dentistas são o primeiro e o último
recurso.
“Joana” não precisa de puxar
pela memória para dar alguns exemplos: “Apareceu-me uma miúda de 13 anos com uma
fístula, por baixo do queixo, a drenar pús há mais de 6 meses. Era um abcesso
externo gigante. Também é comum aparecerem grávidas a quem os médicos hesitam em
dar cheques dentista, por receio dos tratamentos durante a gravidez. Depois há
aquelas pessoas que entram no círculo vicioso: não conseguem emprego por terem
os dentes estragados, entram na consulta para tirar 5 e 6 raízes de uma vez, mas
não podemos dar próteses e elas também não as podem pagar. Também chego a ter
doentes que desistem da consulta por já não terem isenção da taxa
moderadora.”
A
carreira de médico dentista não existe no Serviço Nacional de Saúde, não está
portanto previsto que existam nos centros de saúde, mas a tabela de preços
oficial está lá afixada. Num centro de saúde é cobrada como consulta de
especialidade hospitalar, custa 7,75 euros, e a extracção de um dente, por
exemplo, custa mais 3,5 euros.
Cheques-dentista sim, dentistas
não – Oficialmente, todos os cuidados de saúde oral, no âmbito dos cuidados
primários de saúde são prestados por mais de 3 mil dentistas privados que
aderiram ao Programa Nacional de Saúde Oral. O modelo é o do cheque-dentista, um
vale para consulta e tratamentos que é disponibilizado a crianças, idosos de
baixos rendimentos, doentes com VIH-Sida, grávidas e a quem apresente sinais ou
suspeitas de lesões malignas na cavidade oral. Rui Calado, diretor do Programa
Nacional de Saúde Mental explica que poderão vir a ser incluídos novos
beneficiários do cheque-dentista, mas só quando houver garantia de
“financiamento sustentável”. Quanto à inclusão de médicos dentistas no Serviço
Nacional de Saúde, os custos são considerados “incomportáveis”.
Dora Pires
3 comentários:
Gostaria muito de saber, por que na escola que minha filha frequenta, não é permitido escovar os dentes?! A propósito minha filha tem 5 anos e fica o dia todo na escola? Segundo a educadora, não é permitido o uso de escovas de dente na escola, como assim?!
É permitido sim a escovagem diária na instituição de ensino, provavelmente na escola da sua filha não fazem por opção da coordenação ou do agrupamento (terá de se informar via agrupamento se há indicações nesse sentido).
No entanto se a mãe quiser que a sua filha escove os dentes na escola não a poderão proibir, a sua filha poderá levar a escova todos os dias e guardá-la num estojo que depois levará para casa.
A escovagem nas escolas é uma atividade como qualquer outra, desde que haja supervisão no caso das crianças mais pequenas e cuidados no manuseamento das escovas, para que não haja trocas. Não existe qualquer obstáculo para a sua realização, o que muitas vezes acontece é resistência por parte de educadores e/ou professores.
Ana Maria
Nos centros de saúde prestam-se cuidados de saude primários, logo os MD deveriam estar sim mas nos hospitais a fazer a prevenção secundária.
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