Todos os anos formam-se, em média, em Portugal entre 500 a 600 médicos dentistas.
Mas para quem sai da faculdade, as opções são basicamente duas: a medicina
privada ou a emigração. A saúde oral ainda é uma realidade muito limitada do
serviço público. Nos centros de saúde trabalham cerca de 20 dentistas. Ou seja,
um para cada meio milhão de utentes. Pela primeira vez um governo assumiu que
esta é uma prioridade e até ao final do ano arrancam experiências-piloto com
dentistas nos cuidados de saúde primários. A proposta da Ordem dos Médicos
Dentistas foi entregue ontem ao Ministério da Saúde.
Dos 20 médicos dentistas a
trabalhar para o SNS, a maioria está na região de Lisboa e Vale do Tejo, seis no
agrupamento de centros de saúde transmontano, dois na zona centro e um no
Algarve. O projeto-piloto está direcionado para responder às necessidades de uma
população economicamente mais desfavorecida e com doenças crónicas. Mas no
futuro, o que se pretende é que estes cuidados básicos, como destartarização,
desvitalização, extração de dentes ou próteses, possam chegar a todos pelo
serviço público.
"É disto que grande parte da
população precisa e que são os cuidados mais procurados. Saudamos a iniciativa
do Governo, que a concretizar-se é um avanço enorme no acesso a cuidados básicos
de saúde oral. Será cumprir os requisitos do SNS na equidade do acesso", diz ao
DN Orlando Monteiro da Silva, bastonário dos Médicos dentistas. Até agora, uma
parte da população - grávidas, crianças e jovens, idosos com complemento
solidário e doentes com VIH - tem tido acesso a estes cuidados através do
cheque-dentista, "que é importante que se mantenha, pois tem tido ganhos em
saúde consideráveis", diz o bastonário. No ano passado foram emitidos 545 mil
cheques-dentista e utilizados 413 mil. Em março entrará em vigor o alargamento
do projeto aos jovens com 18 anos. Em entrevista ao DN Henrique Botelho,
coordenador da Reforma para os Cuidados de Saúde Primários, explicou que este é
um projeto que vai continuar.
A Organização Mundial de Saúde
recomenda um médico dentistas para cada 2500 habitantes. Portugal mais que
cumpre, mas apenas no setor privado, onde existem mais de cinco mil clínicas: um
dentista para cada 1236 habitantes. O país tem 8500 dentistas registados na
Ordem e outros 1200 estão a trabalhar fora do país, sobretudo em Inglaterra
(59%) e França (12%). Mas a oferta traduz-se em cuidados? "Mais de 50% da
população não tem acesso a cuidados básicos. Um parte importante não os consegue
pagar e um seguro de saúde que garanta esta especialidade é caro", refere,
considerando que "deve existir um médico dentista por centro de saúde e nos
maiores mais do que um profissional".
Desde a sua criação que o SNS
nunca teve cuidados de saúde oral. "Primeiro não havia muitos profissionais,
depois foi uma opção política, possivelmente achou-se que não era fundamental.
Há a perceção que é uma especialidade que não é barata, que são precisos
recursos financeiros para equipar os espaços. É lamentável que existam
equipamentos nos cuidados de saúde primários que nunca tenham sido
aproveitados", lamenta.
Para Rui Nogueira, presidente
da associação dos médicos de família, ter dentistas nos centros de saúde deve
ser "prioridade máxima", sugerindo duas formas de o fazer: "um ter é médicos
dentistas nos quadros dos centros de saúde, a outra é fazer convenções com os
consultórios e garantir acesso direto. Temos de nos perguntar se este é um
serviço fácil de instalar e de manter? Um sistema de convenção pode garantir uma
resposta mais rápida e com menos custos. Nos centros de saúde mais periféricos e
isolados poderíamos ter o serviço. As duas soluções podem funcionar em
conjunto". O médico diz ainda que seria fundamental ter higienistas orais em
todos os centros de saúde.
Outra prioridade, aponta
Orlando Monteiro da Silva, são médicos dentistas nos hospitais públicos para
fazer equipa com os estomatologista, uma especialidade que conta com 167
profissionais a trabalhar no SNS. "Mais de 80% tem mais de 50 anos. É preciso
pensar a prazo em equipas mistas se quisermos dar uma cobertura
multidisciplinar. Precisamos de ter equipas nos hospitais para tratar traumas,
doentes operados, hemofílicos, doentes profundos que precisam de anestesia para
tratamentos dentários, cancro oral", afirma.